Alucinações

Tio Christian

O Christian tinha me encontrado à noite, numa calçada e embaixo da luz de um poste. Eu estava bêbado e com muita vontade de urinar, mas precisava tirar a calça de couro e estava difícil. Ele me levou pra casa dele, e minha tia falou para eu dormir de roupa mesmo, mas na calçada, porque estava muito sujo. Disse ainda que se eu quisesse, podia urinar nas calças, que no outro dia ela compraria mais roupas para mim. Lembro que eu sentia muito calor.

Tio Rivalmir

Meu tio havia comprado um helicóptero preto de guerra, com dois rotores principais, e além de estar aprendendo sozinho (como é de seu jeito), ainda ensinava meu primo Alex. Ele nos levou de van até o ginásio da UFMT, onde estava hangarada aquela baita aeronave. Lá eu vi várias pessoas, adultos e crianças, todos drogados pelo chão. Havia um telhado de zinco, tipo um galpão, e o helicóptero tinha que se deslocar pra fora, como um carro, e depois voar. Os viciados pediam dinheiro por qualquer coisa que fizessem, como querer limpar meu sapato ou ajudar a empurrar o helicóptero para fora, mas o tio os repelia, gritando para se afastarem.

Calçada

Eu estava perto da porta do hospital, encostado na parede, numa maca, incomodado com a dor que tinha na nuca (na verdade era uma escara, mas eu não sabia). Eu via o dia amanhecendo, as pessoas passando na calçada apressadas, por causa da garoa, indo para o trabalho. Lembro de ter visto uma mulher toda de preto com um guarda-chuva e um homem andando com um jornal aberto sobre a cabeça. Na verdade eu estava na UTI do Sírio-Libanês, em coma, mas a cena que vi se parece muito com as descritas por pessoas que tiveram experiências extracorpóreas.

Casa do Guilherme

O Guilherme (meu instrutor de paraquedismo e irmão da Ivana, médica plantonista no dia do acidente) morava na mesma casa do Condomínio Dunas do Areão, só que ela tinha, nas paredes laterais, grandes retângulos de vidro que deixavam transparecer o interior das casas geminadas vizinhas, à esquerda e à direita. Havia umas 10 pessoas, e fomos todos para os fundos da casa, onde de dentro de uma churrasqueira tiraram minha bota esquerda, mostrando-me o solado solto e os arranhões laterais. Tinha um cara junto, que apesar de sua fisionomia ser desconhecida para mim, eu sabia que era alguém muito famoso. Eu tenho até hoje a minha bota esquerda, e assustei quando vi que o rasgo nela é exatamente no mesmo lugar que via no meu coma.

O caminhão

Era noite e havia uma carreta tipo baú, branca, estacionada sem o “cavalinho” no pátio de um posto de luzes amarelas. Dentro desta carreta o espaço parecia maior do que vista do lado de fora, e nela funcionava uma sala de cirurgia. Os médicos (dois) saíram por uma porta lateral, desceram por uns degrauzinhos, conversaram com meu pai, que estava preocupado no pátio, e subiram novamente para me operar. Dentro da carreta tinha uma divisória estabelecendo o espaço estéril para cirurgias, e eu ficava me questionando porquê aquela carreta tinha sido transformada em sala de cirurgia, ainda mais funcionando num posto, à noite.

Hospital-escola naval

De repente eu estava num navio, em uma enfermagem infantil. As crianças usavam uniforme azul escuro, da Marinha, e eu não via um adulto por perto sequer, e sabia que estava totalmente submisso aos cuidados delas. Veio uma menina negra gordinha e falou que meu pai queria falar urgentemente comigo no rádio, porque ele estava afogando em um compartimento abaixo do meu, que estava inundando. Quando eu peguei no aparelho e falei: “Alô, alô!!”, só escutei um “Meu filho…” muito triste, e em seguida o barulho de bolhas estourando. A água tinha chegado ao teto, meu pai tinha morrido afogado e eu, além de não poder ter feito nada, não consegui atender o rádio a tempo de pelo menos nos despedirmos. Tive a exata sensação de sofrer a notícia da morte de meu pai, foi muito difícil.

O Barco

Em outra alucinação, eu estava novamente em um barco, com uma turma de moças e rapazes, todos surfistas. Era uma embarcação do tipo chalana, e tinha um salão grande no convés onde tocava muita música, mas ninguém dançava. Atracamos em uma praia, porque começava a anoitecer, e todos desceram com suas pranchas e as fincaram na areia. Fizemos uma fogueira e eles ficavam me ouvindo contar histórias do Mato Grosso, de fazendas e pescarias. Conforme o tempo passava e ia ficando tarde da noite, cada hora um deles pegava sua prancha, entrava no barco, guardava a prancha sobre sua própria cama, em umas prateleiras acima da cabeça, e ia dormir. Eu aproveitei para ir embora sem me despedir.

“Bagaço” (Pres. do Motoclube)

Eu estava dirigindo uma Kombi, com meu pai, e fomos parados no Posto da Polícia Rodoviária Federal antes de chegar em Cuiabá. Eu tinha perdido a carteira de habilitação porque havia ficado com umas sequelas (eu não podia dirigir porque não falava mais). Uma policial pediu meus documentos e, como eu não os tinha, ela começou a lavrar a multa. Eu via o Bagaço mais à frente, porém não conseguia chamá-lo (eu não sabia mais falar), até que ele me viu e veio ao meu carro.

Eu tentava explicar através de gestos e ele não entendia, ficando até bravo, e disse: “- Para com isso, Jackson! Onde já viu você se explicar pra mim que não consegue dirigir!”. Então ele retirou a multa das mãos da policial e me liberou.

Copa com o Zé Roberto

Estávamos eu, meu amigo José Roberto, sua namorada Cristiane, alguns primos dele e umas crianças numa casa grande, arejada, com piscina. Nós assistíamos à Copa na varanda, cujo teto era de tijolo à vista, e ficávamos comentando os lances.

Então eu não achei mais graça e fui ensinar violão àquelas crianças, e até pensei em fazer um “bico extra” colocando um anúncio no jornal que eu tinha um método exclusivo, que era através do qual minha irmã tocou “Palpite” de Patrícia Marx, na terceira aula. Eu até pensava: “Bem, eu ponho meu violão naquela capa com alça, ponho nas costas como uma mochila e vou dar aula em domicílio, de moto”.

Banho frio.

Eu estava numa edícula de uma casa, em um bairro de classe média alta, mas havia terrenos baldios no fim das ruas. Eu estava numa dessas últimas casas, e era de madrugada. Fazia frio e as duas enfermeiras que estavam comigo diziam que esperavam amanhecer porque eu iria tomar banho frio.

O céu estava ainda escurinho, azul, quando chegou um homem moreno e magro, em um carro de luxo preto, dizendo que já podiam me dar o banho.

Copa no caminhão

O motoclube havia parado numa espécie de posto, onde fui colocado numa maca atrás da roda de um caminhão, e eu ficava preocupado do caminhão vir para trás e passar por cima de mim. Então me tiraram dali e me colocaram numa esquina no segundo andar de uma construção, sem amurada, e agora eu estava com medo de cair.

Osvaldo Gardenal

Atrás da empresa do Gardenal havia uns quartinhos, parecendo um motel barato, que ele explorava. Na rua de trás da empresa já ficavam as prostitutas, também do cafetão Gardenal. Havia um pátio interno, e os quartos ficavam no segundo andar.

Manso

Era uma festa num navio, no meio da represa de Manso. Havia vários ambientes, e de hora em hora todos iam de um para outro, mas não sem antes passar nas suas respectivas cabines e trocar de roupa (o que era obrigatório). Comida e bebida à vontade, cassino, sala de comando, passeei por todo o navio. Eu sempre era o último a conseguir me trocar, e vestia uma roupa apertada, que me dava muito calor. Quando o dia amanheceu, lembro-me de ficar perambulando no convés entre os garçons, que estavam arrumando a bagunça, empilhando as mesas. Tinha polícia, mas eles ficavam em terra, observando tudo através de um binóculo, por trás de um arbusto.

(Tive essa mesma alucinação duas vezes, e pensava: pronto, agora tem que ir naquele ambiente, comer aquilo, depois tem que pôr aquela roupa…)

Tábata

A irmã da Tatiana, que foi minha namorada em 1995, ficou comovida comigo e a partir daí começou a se interessar por mim, de sentimento mesmo. Ela morava em outra chácara (e não a casa da época que namorei sua irmã). Havia um gramado imenso e seu pai vinha visitá-la de vez em quando, mas ele não gostava de mim. Ela criava cavalos, e eu tinha uma garrafa de vinho embrulhada de presente para dar a ela, mas ficava esperando na casa e ela não aparecia, e eu tinha medo do pai dela me pegar sozinho na casa dele. Eram muito ricos, e a decoração da casa era linda.

Pantanal

Uma das piores alucinações. Eu estava sozinho no pantanal, numa casa de madeira erguida sobre pilares também de madeira (por causa das cheias), as chamadas palafitas. Eu sabia que no matagal em volta da casa havia índios querendo me matar com armas de fogo e armas indígenas, como a borduna. Eu ouvia chiados de comunicação via rádio deles com o pai da Tábata, que tinha sido o mandante do meu assassinato. Eu tinha sono e fome, não podia dormir e ouvia eles forçando as portas e janelas, temendo que a qualquer momento conseguiriam arrombá-las.

Mar aberto

Eu estava com umas pessoas mais velhas, que eu não conhecia, mas sabia que eram amigas. Estávamos num barco funcional, de alumínio, mas com um andar superior, de onde se pilotava. Só se falava em um peixe de ferrões que havia tanto em águas rasas como profundas, e que era muito perigoso.

Casa de saúde alternativa no Bairro Santa Rosa

Eu estava no terceiro piso de uma casa que eu sabia ficar no Santa Rosa, um bairro de classe alta em Cuiabá. Eu ficava dentro de uma pirâmide de metal cromado, no segundo piso, e de vez em quando vinha uma pessoa que colocava uns sons para eu ouvir, e via também umas fumacinhas. Ela não falava comigo, apesar de eu sempre perguntar o que estava acontecendo. Eu sabia que era um tratamento da corrente mística Nova Era, e eu não gostava daquilo. Ficava horas sozinho e sentia muito calor, porque o ambiente era todo fechado e batia um sol infernal na janela de vidro à minha frente.

Casa alternativa em São José dos Campos/SP

Era uma casa simples, num bairro pobre de São José dos Campos, onde funcionava um “hospital” precário. O dono daquilo era um lunático, daqueles crentes alienados, porém visto como um benfeitor que curava as pessoas com tratamentos sugeridos pelos céus e era parente distante da minha família, por parte de avô ou avó, não me lembro. Os fundos da casa davam para uma espécie de rio sujo ou esgoto, onde estavam atracados uns botes de madeira, de cor azul, embaixo de umas colunas de madeira que sustentavam um cômodo anexo da casa, onde ficavam os doentes. Esse anexo era um salão cheio de doentes, mal cheiroso e calorento.

As pessoas pediam remédios para dor e ele dava um copo d’água. Eu pedia desesperadamente para me tirarem daquele lugar porque eu não estava sendo tratado devidamente, e eles me colocavam perto de uma espécie de motor que aquecia um balde verde de plástico, até que aquele balde derretia e eu era obrigado a aspirar uma fumaça também verde, que desprendia daquele balde. Essa fumaça tinha um cheiro forte, que me dava dor de cabeça, mas na convicção daquele lunático aquilo “curava”.

Eu chorava porque pedia para falar com minha mãe, com qualquer pessoa da família, e eles diziam que eu já já os veria, mas os dias passavam e eu não conseguia falar com ninguém. Nunca me deram banho nos dias em que lá fiquei, e eu me sentia muito sujo, grudento de suor, uma agonia.

Distribuição de sopa

Na encosta de um morro, havia uma construção baixa, dividida em três cômodos apertados, e fixada no paredão, sobre o abismo. Nela viviam uns irmãos alienados, que me faziam abrir a Bíblia toda hora porque Deus ia falar comigo. Eu obedecia, e as mensagens eram só bronca, daí aqueles doidos se achavam no direito de gritar comigo. Não me lembro de uma mensagem sequer, e sabia que era um lugar perigoso (cheio de assaltantes), e que a construção ficava à beira do precipício para chegar até ela somente entrando numa espécie de helicóptero fixo na encosta, que subia por um trilho no paredão, era movido a galões de diesel e havia uma cota diária para se gastar.

Outro helicóptero era usado para, no final de ano, derramar uma sopa lá embaixo naquele precipício, onde famílias ficavam correndo para lá e para cá com bacias na mão e olhando para cima, recolhendo o que caía do alto. Todo mundo que ia àquela casa tinha que participar do despejo da sopa e ainda tomar um pouco daquilo, que tinha um sabor horrível. A pessoa que pilotava dizia que o Senhor havia deixado essa ordenança, como condição de nunca faltar alimento para eles.

O helicóptero tinha marchas, e para cada número no “câmbio” a pessoa que pilotava achava que tinha uma mensagem dos céus condenando-a, pois aqueles números tinham uma ligação com macumbaria.

Shopping e cinema de trenzinho. Loja de roupas. Sapatos de papel colorido

Eu passeava no Shopping em São Paulo com a Deborah (minha colega de faculdade) e seu marido. Entramos num trenzinho que passeava por todas as lojas e também no cinema, quando então parava para se assistir o filme, não na sala própria, mas em pleno corredor. Lembro que comprei na bomboniere um negócio muito doce, enjoativo.

Depois, eu precisava de roupas e sapatos para ir na casa do helicóptero, e comprei três ternos e três pares de sapato, coloridos, caríssimos, porque era usados uma só vez devido ao fato de serem feitos de um material que parecia papel polido. Lembro do vendedor dobrando os ternos numa agilidade incrível.

Favela

Eu me lembro de ter ficado numa casa de favela, mas os barracos não eram amontoados um em cima do outro, e sim bastante espaçados entre si. A casa não era muito pequena, não tinha divisórias dentro e era pintada de branco. Havia uma mulher e algumas crianças (três ou quatro), e a mulher disse que iria me mostrar uma coisa antiga: era uma espécie de mala desmontável, que escondia um “carro” rústico, que parecia um carrinho de kart com um pequeno motor e tanque de combustível, mas era bastante potente. Ela abriu a mala e o montou no chão: era de ferro, muito fácil e rápido de ser montado, só cabia uma pessoa e tinha uma autonomia de combustível suficiente para correr da polícia, uma vez só. Segundo ela, tinha sido comprado clandestinamente, nos tempos da ditadura.

Colégio

Eu estudava em um colégio público, bastante simples, mas com muitos alunos, todos adolescentes na faixa dos 16 ou 17 anos. Lembro-me que eu era mais velho, não conhecia ninguém e ficava ou nas escadas durante o intervalo, ou observando da sacada do andar de cima o movimento no pátio, à hora da saída.

O tatame

Era um lugar militar, que tinha um grande tatame armado no ginásio da UFMT. Os alunos eram sérios, estavam rigorosamente alinhados quando cheguei. Não havia barulho enquanto se movimentavam, nem havia um mestre ou instrutor, e vestiam quimonos de um tecido grosso, meio marrom, da mesma cor do tatame. Meu tio Elyas apareceu e falou que era melhor a gente ir embora, não sei porquê.

Espera do lado de fora do hospital

Eu ficava numa maca, ao lado de uma parede, do lado de fora do hospital (não sei qual, mas eu sabia que estava em São Paulo, e à noite). Parecia ser uma parte dos fundos do hospital, porque chegavam e saíam ambulâncias o tempo todo, e não havia nenhum teto para me proteger da chuva fina que caía, o que me deixava preocupado, já que estava doente.

Eu perguntava dos meus pais todas as vezes que passava alguém da limpeza (usavam macacões azul-marinho) e eles diziam que o hospital estava fechado porque um povo da Assembleia de Deus tinha conseguido na Prefeitura que todo o trânsito em volta do hospital fosse fechado durante uns três dias, para eles fazerem uma corrente humana e orarem por mim.

À minha esquerda, mais ao fundo da entrada das ambulâncias, havia um telhado rudimentar de Eternit, e nele ficava pendurada uma lâmpada comum, de luminosidade fraca, que eu torcia para não se apagar, porque senão eu morreria, porque esse fiapo de luz significava meu fiapo de vida.

1.000 DIAS DE DOR

Caros amigos,

Exatamente hoje, completo 1.000 dias de dor na minha mão esquerda.

Para os que não sabem, só passei a sentir dor após a cirurgia de reconstrução dos nervos de meu braço, naquele distante mês de agosto de 2002.

De ‘comes e bebes” na comemoração deste dia, já me entupi de remédios porque, pela intensidade da dor que sinto neste momento (não vou trabalhar agora à tarde porque não consigo nem dirigir), acho que é por causa do tempo: deve chover ou esfriar nas próximas horas. De “lembrança” dessa festinha, deixo um trecho do meu livro, em anexo.

Um abraço a vocês, todos os da minha lista de contatos.

Jackson.

Nossa despedida

Cuiabá (MT), 27 de dezembro de 2002.

Cara Perna,

Estou escrevendo esta carta de despedida, esperando resolver de uma vez por todas as nossas diferenças. Preciso te dizer que estou apaixonado por outra. Ela vem do Canadá em breve, creio que em meados de junho do ano que vem.

Mas antes, quero confessar algumas coisas. Primeiramente, se te pisei em alguns momentos da nossa vida juntos, não foi por mal. Todos nós estamos sujeitos a alguns tropeços aqui na Terra, ou nas calçadas… veja que em 100% das vezes era porque eu buscava um equilíbrio. Houve ocasiões em que alguém que nem conhecíamos te pisou e, se eu não revidei, desculpe, a pessoa devia ser mais forte, e preferi te proteger embaixo de mim.

Você foi, em todos esses 26 anos de convivência, a única a me acompanhar em todos os lugares por onde passei. Você me levantou quando eu estava pra baixo e, em outras vezes, demos pulos de alegria, quando você me fez subir na vida (ainda que apenas alguns centímetros).

Nós já saltamos de pára-quedas e já mergulhamos juntos, e me lembro de cada arrepio seu. Eu me recordo que até quando eu estava chorando, de joelhos, você estava lá, bem pertinho atrás de mim, e isso me deu muita satisfação. Lembra-se quando éramos crianças, e você pisou no prego? Eu chorei contigo, e te disse na ocasião que aquela injeção antitetânica no hospital iria doer tanto em mim quanto em você.

Com você aprendi a andar de bicicleta, subimos em árvores, acampamos em finais de semana, fizemos caminhadas… lembro-me do orgulho que senti de você quando ganhou aqueles 4 campeonatos de tae-kwon-do, todos em primeiro lugar (acho que estou querendo chorar neste momento…).

Para onde quer que eu fosse, lá ia você na minha frente, parece até que adivinhava meu pensamento, porque nunca ocorreu de eu ir para um lado e você para outro. Enfim, foram tantas as coisas que fizemos juntos… que eu jamais imaginaria um dia te perder por causa de uma moto!

No começo, passeamos até debaixo de chuva… você ficava linda naquela calça e bota de couro! Quando chegávamos em algum lugar, éramos um sucesso, e você sempre descia primeiro, apoiando gentilmente o peso da moto para eu descer…

Mas então, veio a decepção. Em  nosso primeiro acidente, que foi tão feio (lembra-se?), quando acordei no hospital 21 dias depois, você já havia partido há  uma semana, e nem sei onde você está agora.

Passados esses quase sete meses, sentindo todos os dias que faltava um pedaço de mim, resolvi sair dessa depressão, mesmo porque ela não me levaria a lugar algum, literalmente.

Talvez sensível à minha condição, meu tio até me deu um novo veículo. Não é um Jaguar, mas é um Jaguaribe, modelo Ágile, todo preto, com detalhes cromados, descanso para os braços, rodas raiadas, conversível, zerinho. Com ele tenho ido de festa de aniversário de criança a lugares de verdadeiro rally, sempre chamando muita atenção.

Mas só isso não basta, o que descobri antes mesmo de ganhar meu novo brinquedinho. Da última vez que estive em São Paulo, fiquei sabendo de uma canadense que um médico amigo meu vai nos apresentar (ele me disse que as canadenses são as melhores!).

Pelos dados que levantei, sem conhecê-la, vejo que é a companheira ideal: ela é nova, não é como você, que nasceu no milênio passado. Vai me apoiar em tudo, da hora que eu acordar até a hora de dormir, pelo resto da minha vida, e tenho certeza que ela iria até ao túmulo comigo.

Meu amigo médico disse que ela é muito discreta, mas de uma fibra! Posso descarregar todo meu peso que ela agüenta, e se eu algum dia explodir de raiva ou impaciência, quem dormirá no sofá é ela. Além disso, não tem chulé, frieira, unha encravada, olho-de-peixe, pé-de-atleta, não precisará cortar as unhas toda semana e todo esse monte de outras preocupações pra encher o saco. Pra você ver: aceita até que eu tenha namorada! Em um encontro de motociclismo que fui em Campo Grande/MS, vi um cara com duas delas, uma de cada lado!

Acho que ela será dura (principalmente na testa) com aqueles que ousarem tirar alguma piadinha comigo… e, se precisar, ela inclusive me ajudará a correr. Além de tudo, consegue descontos de até 40% nas melhores concessionárias, desde que eu compre um carro zero!

É a vida que pedi a Deus. Não vejo a hora de nos encontrarmos, tomarmos banhos juntos, dormirmos em minha cama (meus pais aceitam!) e fazermos muitas outras coisas que eu nem acreditava serem possíveis.

Para mim, você é assunto morto e enterrado.

Jackson.

PASSOS

Passos

Perdidos

Por enquanto

Por isso

Passado

 

 

Passos

Preciso

Pra já

Pulso

Posse

Pungente pressão

 

 

 

Passos

Pra tudo

Profissão

Passeio

Prazer

Pra ir

Pra vir

Pude

 

 

 

Passos

Pensante

Por quê?

Papo profundo

Pior

Patético

Picuinha

 

 

 

Perna

Pedaços

Passivo

Poupo

Pago

Possuo

 

Passos

Primeiros

Pendendo

Postura

Pois é

 

 

 

 

Passos

Pisando

Pasmo

Povo

Próximo

 

 

Passos

Preço

Perigo

Passadas paralelas

Povo

Próximo

 

 

 

 

Passos

Espaço

Pássaro paulista

 

 

 

Passos

Primogênito

Prodígio

Pupilo

Papai

 

 

 

Passos

Providência

Pela fé

Por ti

Por amor

Para o bem

Peço

Pegadas

Para sempre.

Sobre Bíblia e Cristianismo

É um paradoxo que o fato mais importante da vida seja justamente o que acontecerá depois que morrermos. Como cada religião tem sua versão própria para isso, eu havia sentido ainda muito cedo, na minha pré-adolescência, que só a Bíblia mesmo poderia ter autoridade – e toda a autoridade – em assuntos espirituais (1). Mas havia o problema dela ser muito extensa, com muitas partes interligadas para se compreender o contexto, de forma que eu não sabia como entendê-la. Antes de qualquer coisa, não entendi nem mesmo porque Jesus precisou morrer daquele jeito, se Ele já dizia que depois ia ressuscitar mesmo, mas tudo ficou mais fácil depois do acidente. Explico.

Na verdade, tinha redigido bem mais páginas sobre minha evolução no Cristianismo, mas retirei tudo o que não fosse essencial para a minha história, e criei este blog para poder aprofundar o assunto, discutir opiniões, ouvir xingamentos (inevitável…), tirar dúvidas e estudarmos juntos o que esse Livro diz (2).

(1) Em 2 Tim 3:16-17 se lê que a Bíblia é inteiramente útil para corrigir, ensinar e aperfeiçoar o homem.

(2) Há uma só Bíblia, mas diferentes versões. Isso não é um problema se a minha disser “vós” (versões de João Ferreira de Almeida e a da Bíblia de Jerusalém, por exemplo) e a sua disser “vocês” (versão Revista e Atualizada e Nova Tradução para a Linguagem de Hoje, por exemplo). As versões ora substituem palavras por sinônimos, ora atualizam uma linguagem antiga para outra menos formal; o importante é que o conteúdo seja o mesmo.

Não quero falar aqui de assuntos secundários e polêmicos, como milagres, possessões demoníacas ou dízimo. Tampouco estou querendo “converter” ninguém (a obrigação do cristão é apenas difundir o Evangelho), nem levantando a bandeira da intolerância religiosa. Sãos dois extremos e entre eles estou eu, querendo apenas contar o que ouvi e que pareceu certo para mim, abrindo-me a consciência.

Pense neste texto como um curso bíblico básico e expresso, explicando-lhe o que talvez até hoje ninguém se dispôs em fazer. E se você compreender o que escrevo, ficará tão feliz como fiquei no dia em que entendi a principal mensagem da Bíblia pela primeira vez.

De qualquer forma, tento explicar desde o mais lógico argumento em termos bíblicos até a mais inverossímil das conclusões (3). Não tenho tempo nem pretensão de analisar cada placa de igreja que existe e sair julgando quem quer que seja; só vou me ater ao que já está escrito na Bíblia, essa mesma que você também tem em casa (ou seja, NÃO SOU EU quem vai te falar, é você quem irá LER), e expressar livremente minha opinião e minha liberdade de consciência e de crença, aliás direitos assegurados no Art. 5º, incisos IV e V da Constituição Federal.

(3) Destas, nada melhor do que o ceticismo geral quanto à autoria divina da Bíblia, onde o próprio Deus teria inspirado aproximadamente 40 homens das mais diversas profissões, regiões e épocas (escravos, lavradores, pescadores, pastores de ovelhas, sacerdotes, profetas, generais, reis, juízes, estadistas etc.), durante um período estimado de aproximadamente 1.500 anos (Moisés começou a escrever cerca de 1.400 antes de Cristo e João terminou o Apocalipse cerca de 95 depois de Cristo), gerando 66 livros que cobrem desde a criação do mundo até o Século I da nossa era. A despeito de tantas variáveis, a mensagem guarda extrema precisão e congruência, trazendo em suma o plano de Deus para o homem, pronto desde sempre. Quanto à credibilidade da Bíblia, como explicar informações nela inseridas séculos a.C., mas que só seriam confirmadas milênios depois? Em Jó 26:7, se lê que Deus “faz pairar a Terra sobre o nada”, ou seja, nosso planeta suspenso no Universo, o que só seria “descoberto” no século XV (em 1637  d.C. a teoria de Newton provou que a terra está em órbita pela força da gravidade, e em 1611  d.C. Galileu Galilei, com seu telescópio, mostrou que a terra está em órbita ao redor do sol)!! Milênios antes de a geologia descobrir que o interior do planeta é formado pelo magma – uma massa de rochas fundidas a altíssima temperatura – já estava escrito em Jó 28:5: “Terra, dela sairá o pão, embaixo ela se revolve como fogo”. Veja também Gênesis 8:4, onde consta que a arca de Noé pousou “sobre as montanhas de Ararate”. Agora digite no Google “Noah’s Ark” (http://www.wyattmuseum.com/noahsark.htm) (arca de Noé) e veja reportagens de 1950 revelando ao mundo, com assombro, a descoberta de uma embarcação soterrada de neve, a milhares de pés acima do nível do mar (?), e o nome da montanha onde foi encontrada. Pense em como uma embarcação daquelas dimensões foi parar lá em cima e tire suas próprias conclusões. Por fim, veja em Isaías 40:22 (escrito em aproximadamente 700 a.C.) como o profeta contempla a majestade de Deus, que “está assentada sobre a redondeza da Terra”. Pois foi com base na teoria de que a Terra era redonda que Colombo, em 1492, empreendeu sua famosa viagem, antecedendo Fernão de Magalhães, que em 1522 empreendeu a primeira circunavegação.

É por evidências assim que eu posso crer que a Bíblia é a Palavra de Deus. Ele inspirou os homens a escrever, e não apenas afirma expressamente, por milhares de vezes ao longo dela toda, que é Ele falando, como ainda teve o capricho de deixar registrado fatos e provas que só seriam confirmados milênios depois.

Esse papo de salvação

Bem, vamos lá. Preciso fazer um histórico do que tinha aprendido sobre religião antes de minha vida fazer uma curva. Fui ensinado que, para alguém ser “salvo” (ou seja, ter o perdão de tudo o que se fez de errado e ganhar a vida eterna prometida por Deus), bastava o interessado levantar a mão ao final da pregação em uma igreja evangélica qualquer (momento do culto conhecido como “apelo”) e “aceitar a Jesus”, ou seja, demonstrar-se arrependido e “entregar a sua vida para o Senhor”. Aí o Pastor orava e pronto: aquela pessoa já tinha ganho o céu. Depois o “novo convertido” ia fazer um “curso de batismo” naquela igreja, mediante agendamento (tinha que ter um quorum mínimo, que valesse a pena mobilizar a igreja para o evento) e por fim se batizava como uma confirmação de sua salvação (1). Isso é assim até hoje.

(1) Tendo a Bíblia como única regra de fé e prática cristã e considerando que a teoria da salvação acima fosse verdadeira, então bastava um texto bíblico para confirmar isso, certo? Porque, do contrário, essa teoria só pode ter saído de alguma outra fonte, colocada acima da autoridade da Bíblia. Concorda? Qual fonte você seguiria?

Quando, na pré-adolescência dentro da igreja, eu via que meu comportamento era menos imoral do que os já batizados, entrava em parafuso porque sempre achei a decisão pelo batismo um ato extremamente sério. Esse foi meu entrave por anos: como batizar, se me conhecendo como conheço sei que vou pecar de novo? Logo, sabendo que deveria haver uma resposta bíblica para isto, não me batizaria enquanto não entendesse exatamente o que estava fazendo.

Mas foi depois que minha vida fez uma curva que fui entender (na Bíblia) que só um comportamento moral não basta para ir para o céu, porque ainda que eu decidisse por uma vida moral, baseada em princípios e valores, a minha condição espiritual já era de separação de Deus pelo pecado (2), porque em algum momento da minha vida eu, sabendo a diferença entre o bel e o mal, o certo e o errado, comecei a fazer coisas que O desagradaram. Ou seja, foi algo que eu não pude evitar, mesmo que quisesse, e o fato é que isso aconteceu com todos nós, sem exceção.

(2) Romanos 3:23-25. “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; sendo justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs como propiciação, pela fé, no seu sangue, para demonstração da sua justiça…”.

 O problema surge quando tomamos consciência dessa culpa e passamos a querer achar um meio de nos redimirmos dela diante de Deus. Como isso é IMPOSSÍVEL (sempre achamos que “ainda não estou pedindo desculpas o suficiente”), o homem vai da oração mais curta, pedindo perdão, até a autoflagelação, em algumas religiões.

Ocorre que tentar obter o perdão dos pecados (que é a salvação, como veremos adiante), por si só, vai contra a base do Cristianismo, como está escrito em Efésios 2:8-9: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. “Graça”, em um conceito universal dentro de qualquer religião de base cristã, significa “favor imerecido”, ou seja, salvação do homem, através do perdão de seus pecados, para que obtenha a vida eterna. Não pode vir de obras que eu faço, porque como seria classificar isto? Quanto alguém teria de fazer para ser salvo? Qual seria o limite, para que não precisasse de mais obras? Será que as pessoas se comparam, julgando entre si quem vai por céu por causa do quê? Onde está escrito na Bíblia que você é salvo por ser “bonzinho”?

E então entendi a passagem de Marcos 16:15-16, onde Jesus (depois de morto e ressuscitado) aparece pela última vez diante de seus discípulos e diz: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura; quem crer e for batizado será salvo, quem não crer será condenado”. Dessa leitura concluí que a fórmula “crer + batizado = salvo” (C+B=S) era diferente da que ouvi em toda a minha vida, pregada até hoje: “crer = salvo, depois faz um curso de batismo e então se batiza, para confirmar a salvação (C=S+B)”.

Para mim, estes dois versículos (Mc 16:15-16) resumem toda a mensagem bíblica, e é a partir deles que faremos uma dissecação textual, e vejamos se você não chega à mesma conclusão que cheguei. Confira as passagens na sua Bíblia e pense em como VOCÊ entende, para de agora em diante não estar mais em evidência a “minha” interpretação.

***

Certamente que esse “crer” tem por princípio a fé na existência de Deus, sem a qual é impossível agradar-Lhe (3), ou aceitar apenas a Bíblia como a Sua Palavra. Mas essa fé tem uma característica essencial, que é ser obediente (4). Se a obediência nos parece um preço muito alto a pagar, lembremos que o maior exemplo de obediência veio do próprio Cristo que, sendo o Filho de Deus, não precisava ter se submetido a tamanho sofrimento (5).

(3) Hebreus 11:6. “De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam”.

(4) Romanos 1:5. Por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do seu nome, para a obediência por fé. Romanos 16:26. Mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações, para a obediência da fé. 1 Pedro 1:22. Tendo purificado a vossa alma, pela vossa obediência à verdade.

(5) Romanos 5:19. Porque, como pela desobediência de um só homem (=Adão), muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um (=Jesus), muitos serão feitos justos. Filipenses 2:5-8. Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz.

É lógico que crer em Deus ou em Jesus não é problema para muita gente (dois terços da população mundial se declara cristã), mas lendo Mc 16:15-16 de novo, vi outra coisa: esse “crer” se relaciona com o Evangelho, e não com “crer em Cristo”! Observe: “Ide (…), pregai o Evangelho; quem crer (no Evangelho, concorda?) e for batizado será salvo”. O batismo, portanto, só fará sentido se alguém entender o que é esse tal de “Evangelho” (6), o que tratarei em seguida. Antes, porém, há questões que decorrem naturalmente (argumento lógico) do texto acima: a) se uma pessoa se batiza ignorando o que seja Evangelho, ela creu em quê? b) se me batizo nessas circunstâncias (sem saber se estou crendo na coisa certa)… serei salvo? c) se crer é obedecer, e eu creio no Evangelho mas não obedeço ao mandamento de Jesus para o batismo, eu realmente cri?

(6) O Novo Testamento foi todo escrito em grego porque era a língua universal da época, a exemplo do inglês no mundo globalizado de hoje. Assim, a tradução literal de Evangelho é “boas novas”, ou seja, “boas notícias”. Vamos ver que “boas notícias” são estas.

Afinal, o que é o Evangelho?

Muitas pessoas até hoje respondem de várias formas diferentes quando perguntadas sobre o que é o Evangelho. Eu mesmo já achei que o Evangelho fosse o nascimento de Jesus, ou a Sua mensagem (pois não é contada nos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João?), mas as “Boas Novas” vão além do nascimento Dele. Evangelho também não é “igreja” ou “salvação” (que são as conseqüências do Evangelho), nem simplesmente “Jesus” (porque daí Ele teria dito “quem crer em mim e for batizado será salvo”). O Evangelho é algo que Ele fez. Assim, se atribuo à Bíblia toda a autoridade em assuntos espirituais, deixarei que apenas ela me diga o que é o Evangelho. Faz sentido?

A resposta para o que seja Evangelho não está em apenas um lugar na Bíblia (1), mas em 1 Coríntios 15:1-4 temos sua forma mais sucinta. Vejamos primeiro o título acima do versículo citado, que diz: “A Ressurreição de Cristo, Penhor de Nossa Ressurreição”. Se penhor, que é um termo jurídico, significa “fiança”, “garantia”, “segurança” e outros sentidos parecidos, então o título me diz que a ressurreição de Cristo garante (ou assegura) a ressurreição dos homens.

(1) Outras menções ao que é o Evangelho: Atos 2:22-24 e Atos 13:26-34.

 Leia em sua própria Bíblia se no trecho acima não está escrito que Jesus, o Cristo (ou “Filho de Deus”, no grego) morreu pelos pecados de todos, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras. “Segundo as Escrituras” significa conforme havia sido profetizado. Nos versículos 5 e 6 ainda se lê que Ele apareceu a várias pessoas, e que a maioria delas ainda estava viva à época de 1 Coríntios ter sido escrito (2).

(2) Isso é importante porque, para a História, um fato terá valor científico se estiver documentado de alguma forma (foto, escrita etc.) e ter testemunhas. Nesta passagem os dois quesitos estão atendidos, tal como em várias outras evidências da ressurreição de Cristo (testemunhas oculares, o túmulo vazio, a própria existência da igreja, surgida em Atos 2). Entre as provas mais convincentes, vemos que os apóstolos e demais seguidores de Cristo saíram pregando a ressurreição de Cristo sem se deter pelas ameaças (Atos 4:18-21), nem mesmo sendo presos (Atos 5:17-18), perseguidos (Atos 8:1), maltratados (Atos 12:1), mortos à espada (Atos 12:2), açoitados (Atos 16:19-22) e apedrejados até a morte (Atos 7:54-60) não negavam o que tinham testemunhado: viram Cristo VIVO! Como suportariam isso, se estivessem forjando uma mentira?

O surgimento das igrejas

Igreja, igreja mesmo surgiu no dia de Pentecostes, descrito em Atos 2. Ali surgiu a igreja prometida por Cristo, composta de pessoas (igreja não é o prédio, mas vem do latim ecclesia, que significa assembleia de pessoas) que se converteram ao Cristianismo, por terem crido no Evangelho, pregado na ocasião por Pedro (At. 2:14-36), resultando no batismo de quase 3.000 pessoas (At. 2:41), no século I.

Dando um salto no tempo, o Catolicismo surgiu no ano 606 d.C.. Consta na História que um bispo chamado Gregório I, de Roma, estava brigando com o bispo Eulógio, de Alexandria, pelo posto de líder máximo do Cristianismo, aí veio o outro bispo, chamado Bonifácio I, e tomou o posto dos dois, tornando-se o primeiro Papa. Como não existe igreja católica sem Papa, convencionou-se dizer que essa é a data de seu surgimento. A história é longa e meu foco é outro.

Séculos depois, na Europa, por volta do ano 1500, houve um momento na História, com viés religioso, chamado de Reforma Protestante (João Calvino e Martinho Lutero, entre outros), que deu origem a todas as denominações protestantes. Houve uma mudança radical na fórmula para ser salvo (Mc 16:16 = crer + batizado = salvo), tirando o batismo da posição de requisito e colocando-o na posição de confirmação da salvação (ora, confirmar significa que já estava salvo só pelo “crer”). Essa fórmula provém de uma interpretação isolada da Bíblia, perpetrada por João Calvino (1), pela qual ele entendia que a salvação vem única e exclusivamente pela graça (o favor imerecido, ou amor incondicional de Deus, independente de qualquer atitude de obediência ao batismo), dando origem, juntamente com Martinho Lutero, ao chamado “Protestantismo” (2) (3). Depois de entendermos este importante movimento religioso da época, e olharmos para a Bíblia novamente, ficará fácil afastar tudo o que não guarda relação entre o Evangelho e o batismo bíblico, pois o que for diferente terá sido apenas um mergulho na água fria, seguindo uma interpretação isolada que apareceu dezenas de séculos depois.

(1) Se a salvação viesse somente pela fé (sem obediência, sem batismo), então Jesus mentiu em Marcos 16:15-16? Por fim, se a Bíblia tivesse deixado espaço para novas interpretações, não se leria expressamente em Judas 3 (o penúltimo livro da Bíblia) que a fé foi entregue de uma vez por todas, ou em II Tim. 3:16-17 que toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para tornar o homem perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (precisa mais alguma coisa?). Outrossim, Jesus passou três anos ensinando uma parte da verdade, e ainda prometeu em João 16:13, antes da crucificação: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, Ele vos guiará a toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas que hão de vir”, o que aconteceria nas cerca de 6 décadas seguintes. Por fim, em Judas 3, antes apenas do Apocalipse, se lê que a fé “foi entregue de uma vez por todas”. Logo, pelo contexto, entendo que “toda a verdade”, ou fé que salva, só pode estar entre as palavras de Jesus e os livros até Judas.

(2) Martinho Lutero era um padre alemão estudioso de línguas antigas, e ele traduziu a Bíblia do grego para o latim para o alemão (http://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%ADblia_de_Lutero). O resultado desta ênfase era um interesse num retorno às Escrituras e a restauração do cristianismo primitivo. Os humanistas bíblicos apontaram os maus na igreja da sua época e pediram uma reforma interna. Talvez quem teve mais influência foi Disidério Erasmo (aproximadamente 1466-1536). Conhecido como o “príncipe dos humanistas”, Erasmo usou sua ampla escolaridade para desenvolver um texto do Novo Testamento em grego, baseado em quatro manuscritos gregos que estavam disponíveis para ele (supõe-se que estes manuscritos gregos vieram da Terra Santa durante as Cruzadas). Com a ajuda da prensa de impressão, Erasmo publicou o texto grego do Novo Testamento em 1516. A capacidade de estudar a Bíblia na sua língua original encorajou uma comparação mais precisa da igreja dos seus dias com a igreja do Novo Testamento. Martinho Lutero, por exemplo, usou imediatamente o texto grego de Erasmo. Ele logo percebeu que a interpretação da Vulgata Latina em Mateus 4:17 de “pagar penitência”, por exemplo, seria mais precisamente “arrepender-se”. Tal conhecimento contribuiu para uma percepção crescente de que o sistema sacramental não era apoiado pelas Escrituras (http://www.estudosdabiblia.net/2004119.htm). Conforme ia traduzindo, percebeu dezenas de contradições entre o que estava escrito e o que praticava por imposição do Catolicismo. Num belo dia, ele reuniu todas essas contradições em um documento chamado As 95 Teses, mostrando que a venda de indulgências, purgatório, problemas sobre penitencia e a autoridade da Papa estavam errados (http://pt.wikipedia.org/wiki/95_teses) (http://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_Protestante). Assim, pregou na porta da igreja católica da qual era padre (Wittemburg), abandonou a batina, chamou aqueles que quisessem vir debater seus novos conhecimentos e então organizou uma igreja com base nestes. Muito embora tentasse evitar qualquer vanglória por isso, seus seguidores perseguidores passaram a chamá-la de igreja luterana.

(3) Esse “protesto” diz respeito à forma com que as missas católicas eram rezadas na época: em latim e com o padre de costas para o povo, que nem entendia o que ele dizia, nem tinha acesso à Bíblia (geralmente acorrentada ao pé do altar), enquanto que “reforma” diz respeito à revolta do povo com a corrupção moral dos padres e o declínio do poder papal, marcado por vários abusos de privilégios e responsabilidades.

Com a tradução da Bíblia do grego para o alemão, logo houve sua tradução do grego também para o inglês (1611), e pouco tempo depois a Bíblia estava traduzida para muitas outras línguas, a partir do grego, tornando-se agora acessível a quem quisesse ler (embora ainda hoje há tribos indígenas que não têm a Bíblia na sua língua). Se por um lado a democratização da leitura foi algo benéfico, isso também proporcionou conflitos de interpretação, e o movimento protestante acabou dando origem a dezenas (4), depois centenas e hoje milhares de denominações no mundo todo – todas se dizendo fundamentadas no Cristianismo – e que somadas ao Catolicismo formam um contingente de nada menos que 4 bilhões de pessoas (5). A maioria das denominações de hoje surgiu por pessoas acreditaram que Deus havia revelado algo para seu fundador além das Escrituras.

(4) Algumas das primeiras denominações protestantes dessa época: Igrejas Luterana (1530), Presbiteriana (1536), Batista (1550), Metodista (1738), Mórmon (1830), Adventista do 7º. Dia (1844), Testemunha de Jeová (1884), Movimento Pentecostal (1885), que multiplicou as denominações evangélicas.

(5) Para se ter noção do tamanho dessa massa de denominações que se afirmam dentro da unidade cristã, o Islamismo detém o segundo lugar, com apenas (e aproximadamente) 700 milhões de seguidores.

O batismo

Vimos, portanto, que a semente calvinista da salvação só pelo crer, sem batismo, também se espalhou de tal forma que hoje é impossível afirmar se há alguma denominação evangélica que não creia ser suficiente ao visitante levantar a mão, vir até a frente do Pastor e receber uma oração para ser salvo. Ora, se a salvação é algo tão importante (tanto para a pessoa como para o Pastor!), a fórmula “levantar a mão + vir à frente + pastor orar = salvo” deveria ter vários exemplos na Bíblia; todavia, não consta um sequer. Lembrando: isto é apenas um fato, não meu julgamento. O que eu digo que é, sim,  meu julgamento: se não estiver descrito na Bíblia, saiu de alguma outra fonte, e essa fonte teve maior autoridade espiritual do que a Bíblia. Uma coisa é alguém ajudar a interpretá-la, esclarecê-la para as pessoas (eu mesmo estou fazendo isso); outra é alterar o sentido original, dizendo onde ela não diz. Se DEUS não disse, como pode o homem dizer que veio Dele a “interpretação” daquela passagem Bíblica?

Agora um ponto muito interessante: todas as denominações protestantes concordam com um princípio de interpretação bíblica pelo qual um texto qualquer, sem o contexto em que se insere, é pretexto para o surgimento de todo tipo de doutrina. Eu também penso assim, porque se esse princípio já é um dos mais importantes no estudo do Direito, expressando cautela na interpretação das leis, quanto mais cuidado e atenção sugere no trato das coisas espirituais! Curiosamente, porém, as denominações usam versículos isolados como fundamento da sua fórmula “crer = salvo (depois vem o curso de batismo + o batismo propriamente dito)”, e entre os argumentos mais usados está o ladrão crucificado junto com Cristo, que foi salvo sem batismo (Lc 23:39 a 43).

A chave para entender o que aconteceu ao ladrão na cruz é saber onde termina o Velho Testamento e onde começa o Novo Testamento (1), uma confusão tão comum quanto se discutir o que é o Evangelho. Entendê-la também me foi muito simples, desde quando deixei apenas a Bíblia me dizer onde estava essa divisão.

Primeiramente, “testamento” (falo como advogado) é um documento jurídico que trata de uma herança. Uma vez feito, passa a ser existente, mas é necessário que contenha disposições corretas segundo a lei; do contrário, será existente, porém inválido. Uma vez que exista e esteja de acordo com a lei, será existente, válido, mas ainda ineficaz, porque sua eficácia (ou momento a partir do qual passa a valer) só advém com a morte da pessoa, surtindo efeitos imediatamente.

(1) O Novo Testamento compreende uma nova aliança (ou promessa) de Deus, agora com toda a Humanidade e não apenas com os judeus, o que durou até que nascesse o Cristo, profetizado ao longo dos séculos. O Velho Testamento cumpriu o seu propósito com a vinda do Messias, e depois disso passou a ser apenas um registro histórico (e moral, cultural, geográfico, político etc.); fora isso, de nada serve em termos espirituais para hoje, conforme Hebreus 8:6-13 (repare o título deste capítulo: “A antiga aliança era o símbolo transitório da nova, superior e eterna, da qual Cristo é o mediador”). Veja também que Gálatas 3:23-25 diz que o VT nos serviu de aio (guia, orientação) para nos conduzir a Cristo.

Voltando à Bíblia e deixando que ela nos ensine, vemos em Hebreus 9:15-18 que: a) Cristo veio mediar o fim de uma aliança (ou Testamento) e o surgimento de uma nova, sendo preciso a intervenção da morte para remissão das transgressões (= perdão dos pecados); b) se há um testamento, é preciso que haja uma morte antes que o testamento tenha força de lei. É assim no Direito: ninguém pode dispor de herança de pessoa viva (art. 426 do Código Civil).

Logo, é a própria Bíblia que me ensina que o Novo Testamento começou com a morte de Jesus, e não com o seu nascimento! É por ser assim com os testamentos que ninguém faz um quando nasce.

Ocorre que em algum momento da História os últimos 27 livros bíblicos (a começar por Mateus, Marcos, Lucas e João) foram colocados no Novo Testamento literário, ou seja, por um arranjo dos organizadores (2), contando a história de Jesus, desde a gravidez de Maria até 40 dias após Sua ressurreição.

(2) Os vinte e sete livros do Novo Testamento afirmam ser inspirados por Deus (João 14:26; 16:13; Atos 1:2; Efésios 3:3-5) e foram seguidos como a autoridade religiosa da igreja do primeiro século (Atos 2:42; Hebreus 2:3-4; Judas 17; <st1:bcv_smarttag>2 Pedro 3:2; Colossenses 4:16; Apocalipse 1:3,11; <st1:bcv_smarttag>1 Tessalonicenses 5:27; 1 Timóteo 4:13; Efésios 2:20). Os escritores do Novo Testamento afirmaram a inspiração de outros escritores do Novo Testamento por citar uns aos outros (1 Timóteo 5:18 cita Lucas 10:7; <st1:bcv_smarttag>2 Pedro 3:15-16 confirmam os escritos de Paulo; Judas 17-18 cita <st1:bcv_smarttag>2 Pedro 3:3). Os Pais Apostólicos (95 d.C. a 300 d.C.) citaram extensivamente vinte e seis livros do Novo Testamento, aceitando-os como inspirados. Somente 3 Carta de João não é citado. Justino Mártir (140 d.C.), um escritor cristão afirmou que aos domingos nas assembleias de louvor as escritas dos apóstolos eram lidas juntamente com as escritas dos profetas (Primeira Apologia 1.67). É evidente, então, que não muito depois do encerramento da época apostólica, os escritos do Novo Testamento eram lidos de forma geral entre as igrejas. Um fragmento de uma lista dos livros do Novo Testamento foi descoberto no século dezoito por L. A. Muratori e é conhecido como o Fragmento Muratoriano, datado no final do segundo século. É uma cópia mutilada, mas possui vinte livros listados.  Se não fosse um fragmento, mutilado e com o início e final faltando, seria sem dúvida o documento mais completo. Os livros que não aparecem na lista são Mateus e Marcos (embora eles sejam pressupostos, porque o fragmento começa com um comentário sobre um livro anterior e depois menciona o “terceiro livro do Evangelho que é aquele de acordo com Lucas”), Hebreus, Tiago, <st1:bcv_smarttag>1 e 2 Pedro e 1 João. Orígenes, do terceiro século, fez uma lista de todos os livros do Novo Testamento, mas disse que Hebreus, Tiago, <st1:bcv_smarttag>2 e 3 João e Judas foram questionados por alguns (História Eclesiastica 6.25). Eusébio (260-340 d.C.) um grande historiador, reconheceu os vinte e sete livros do Novo Testamento. Atanásio de Alexandria (367 d.C.), um grande defensor da fé forneceu uma lista dos vinte e sete livros do Novo Testamento.  Mais tarde Jerônimo (347-420 d.C.) e Agostinho (354 d.C.) confirmaram e defenderam os vinte e sete livros como inspirados.

Assim, quando analiso na Bíblia todas as vezes que alguém aparece salvo sem batismo, esse fato está em algum momento entre o início da vida pública de Jesus e a Sua morte por crucificação, ou seja, no Velho Testamento BÍBLICO (embora Novo Testamento literário, organizado por homens). Nele vemos um Jesus vivo, salvando várias pessoas só pelo poder de Sua vontade (3), sendo o ladrão na cruz o último. Antes dele, temos a mulher que tinha uma hemorragia (Mateus 9:19-22) e a mulher que ungiu os pés de Jesus (Lucas 7:48-50).

(3) Vimos que “salvação” é a consequência positiva e natural que sucede ao perdão dos pecados de uma pessoa em uma condição espiritual de separada de Deus, conforme Romanos 3:23 e Atos 2:36-38. Mas se, antes de ser morto e ressuscitar, bastava à pessoa crer e Jesus a salvava, vemos em Marcos 16:15-16 que o Senhor (depois de ressuscitar, ou seja, agora debaixo de um Novo Testamento bíblico, não literário) mantém a fé; porém, introduz um novo elemento, condicionado ao querer da pessoa: o batismo. Não existia Evangelho para obedecer quando ladrão estava na cruz, pois se o Evangelho é a vinda, morte e ressurreição de Jesus, como já visto, Jesus já tinha vindo, mas AINDA não tinha morrido e ressuscitado. Logo, o ladrão estava debaixo da Velha Aliança! Ninguém tinha como crer no Evangelho, porque ele ainda não tinha atingido sua eficácia!!

Assim, ao conferir novamente os fatos, não é novidade alguma ver Cristo salvando o ladrão na cruz da mesma forma com que salvou as outras pessoas, antes de morrer e ressuscitar: pelo próprio poder de Sua palavra. O ladrão na cruz foi apenas o último a ser salvo daquela forma, e da ressurreição em diante não há um só exemplo de alguém se batizando “depois de salvo por Jesus” (4), para confirmar sua salvação, mas para ser salvo.

(4) Lendo atentamente, percebe-se que João Batista aparece (depois de quatro séculos de silêncio, desde o último profeta, Malaquias) pregando o batismo de arrependimento, pois viria alguém após si, mais poderoso, de quem não era digno de desatar-lhe as sandálias dos pés. Ora, João pregava a uma multidão, e isso chamou a atenção de fariseus (os mestres da lei de Moisés) e de saduceus (os sacerdotes judeus). Na verdade, Mateus 3:11-12 fala de 3 batismos: de água (João), no Espírito (Jesus, no Dia de Pentecostes de Atos 2 e fogo (para os inimigos de Jesus, no inferno de fogo). Também há o batismo na água que Jesus mandou, que é o batismo de Efésios 4:5 (e Atos 2:38; 10:47-48; 8:36, etc.), pois se o batismo de João parou com a morte dele, o batismo com o Espírito foi uma profecia cumprida para iniciar o reino (Atos 2), e assim perpetuá-lo, até o dia do julgamento final, quando ocorrerá o batismo de fogo para os inimigos de Jesus. Logo, temos um batismo anterior à revelação de Jesus, outro no julgamento final, e o batismo que sobrou: aquele que Jesus mandou para todas as nações (Mateus 28:18-20, Marcos 16:15-16).

Igualmente, após morrer e ressuscitar (inaugurando o Novo Testamento bíblico, de acordo com previsão expressa de Hebreus 9:15-18), todas as pessoas relatadas como aquelas que creram só foram chamadas de salvas depois de serem batizadas, sem exceção (Atos 2:36-41; 8:12, 26-40; 16:22-35; 19:1-5; 22:1-16).

Este é mais exemplo da importância de ser compreender o contexto bíblico, muitas vezes só uma questão de ler um pouco antes e um pouco depois dos versículos isolados usados pelo protestantismo para excluir o batismo como requisito essencial à salvação (5). Vamos fazer um teste? Pegaremos esses versículos isolados (todos escritos tempos após Jesus dizer “crer + batizar = salvo”), colocaremos no contexto e veremos se o sentido do pretexto muda (6).

(5) Um aviso importante é que nenhum versículo abrange todos os passos sobre a salvação (=perdão dos pecados). De fato, é novamente em razão do contexto que se compreende a salvação como a somatória de fé + arrependimento + confissão + batismo + perseverança cristã.

(6) Outro ponto pacífico entre as denominações é que Deus, sendo Justo, não poderia proporcionar várias formas de alguém ser salvo, mas apenas UMA, à disposição de toda a Humanidade, como se vê em Atos 10:34 e Hebreus 2:11 (Deus não faz acepção de pessoas). Logo, não é a obediência a qualquer fórmula que salva, mas àquela dada por Deus.

A propósito, vemos o final do livro de Lucas (24:50-53) encaixando-se no início do livro de Atos (1:6-11), cuja autoria é consensualmente atribuída a Lucas, e sendo o livro de Atos o primeiro depois da ordem para evangelização e batismo dada por Jesus, é dele que tiramos os exemplos das pessoas salvas apenas após o batismo.

O primeiro exemplo está em Atos 8:26-39, onde se lê sobre Filipe, que subiu em uma carruagem para ajudar um eunuco (escravo egípcio) a compreender uma profecia antiga (7). Filipe então, após explicar a profecia, “anunciou-lhe a Jesus” e, quando o eunuco achou um lugar com água, pediu para ser batizado porque cria que “Jesus Cristo é o Filho de Deus”. Como o eunuco teria concluído que precisava ser batizado, se Filipe tivesse falado apenas uma parte do que Jesus ensinou?

(7) O trecho refere-se a Isaías 53 (de acordo com os estudiosos, escrito por volta de 700 a.C.), combinando com o que Paulo disse em 1 Coríntios 15:3 (que Cristo morreria pelos nossos pecados, segundo diziam as Escrituras).

Voltando alguns versículos no mesmo capítulo, em Atos 8:12 vemos que Filipe “evangelizava a respeito do nome de Jesus Cristo” e com isso homens e mulheres iam sendo batizados. O que Filipe pregava? Que Jesus morreu e ressuscitou! Assim também aconteceu ao eunuco: convencendo-se de que esse Jesus anunciado era o “Filho de Deus” (isto é, o Cristo), Filipe o batizou.

O próximo exemplo é o do carcereiro responsável pela guarda de Paulo e Silas na prisão (Atos 16:29-31). Ao perguntar o que deveria fazer para ser salvo, responderam-lhe “…Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e tua casa”. Se a história terminasse aí, teríamos uma forte evidência em favor do calvinismo (crer = salvo); pior: se o carcereiro acreditasse literalmente no que estava ouvindo e fosse embora, saberia que tinha salvado não apenas a si mesmo como também aos que estavam lá na sua casa, sem ouvir (concorda?). Mas, a exemplo da salvação do eunuco, onde lemos um pouco antes, aqui podemos conferir, lendo nos dois versículos seguintes, que Paulo e Silas pregaram ao carcereiro “e a todos os de sua casa” (v. 32), sendo que “foi ele batizado, e todos os seus” (v. 33).

Para concluir, note que – apenas depois de batizados – o eunuco estava “cheio de júbilo” (Atos 8:39), ao passo que o carcereiro “manifestava grande alegria” (Atos 16:34). Saberia responder a razão desta alegria? Está no significado do batismo e sua relação com o Evangelho, validando assim as palavras de Cristo e finalmente tornando claro o plano da salvação, tudo conforme Romanos 6:3-11:

“Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida. Porque, se fomos unidos com ele na semelhança de sua morte, certamente, o seremos também na semelhança de sua ressurreição, sabendo isso: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos; porquanto quem morreu está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez por todas para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus”.

Logo, de acordo com o que Pedro (inspirado pelo Espírito da verdade de João 16:13) respondeu à multidão em Atos 2:38 (arrependam-se e cada um de vós seja batizado, para remissão dos vossos pecados, e recebereis o Espírito Santo), precisamos fazer duas coisas (arrepender e ser batizado) para receber de Deus, na pessoa de Jesus, outras duas (perdão dos pecados e o Espírito Santo, que passa a habitar em nós e nos ressuscitará como fez com Cristo). Note que no v. 39 Pedro diz que os destinatários dessa promessa não são apenas aqueles ali reunidos, mas “vós, vossos filhos e para todos que ainda estão longe”, seguindo-se o batismo de “quase três mil pessoas” (v. 41).

Biblicamente falando, portanto, restam algumas perguntas para reflexão: a) quem creu no Evangelho, mas não se batizou, teve seus pecados perdoados?; b) se alguém já se considera salvo (=pecados perdoados) só por crer, então pra quê batizar, ou que propósito teria esse ato?; c) se já estou salvo porque cri na pregação e oraram pelo perdão dos meus pecados (=salvação=céu), mas preciso fazer um curso antes de me batizar naquela igreja, quer dizer que é mais fácil entrar no céu do que entrar para aquela igreja?

Toda uma polêmica se levanta quanto à situação da pessoa a quem foi pregado o Evangelho, tendo crido e se arrependido de verdade, com todo o seu coração, mas morre antes de se batizar. Discutir é temerário, silenciar é desconfortável. Uma resposta que pode satisfazer é pensar na Bíblia como se ela tivesse apenas duas páginas: a da direita dizendo o que é necessário para se ter a salvação e a da esquerda em branco, não dizendo em que situações permanece caracterizada a condenação. Assim, olhando para a página da esquerda, vejo que não sou eu quem julga o destino espiritual de ninguém (do contrário, eu seria Deus), mas olhando para a página da direita, se creio, também não serei displicente em desobedecer ao que o próprio Jesus me manda fazer. Logo, se descarto o batismo, estou desobedecendo ordem direta de Cristo, ordem essa dada em meu próprio benefício, por Seu amor por mim! No Cristianismo bíblico, original e sem distorções, eu não preciso fazer nada além de me batizar para pagar os meus pecados, porque Alguém já fez isso por mim na cruz!

 

Conclusão

A Bíblia relata que já naquela época não houve consenso acerca dessa obediência (8); todavia, deixou advertências expressas sobre as consequências da desobediência (9). Mas, se eu creio (fé) que Ele salva através do batismo (obediência), vejo na Bíblia o propósito de segui-Lo (10), porque assim Ele desejou, desde sempre (11).

(8) Romanos 10:16 Mas nem todos obedeceram ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem acreditou em nossa pregação?

(9) 2 Tessalonicenses 1:8-9. “… contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder”;

(10) Hebreus 5:8-9. “Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem”.

(11) 1 Pedro 1:18. “Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós”.

Concluindo, a Bíblia, enquanto instrumento da vontade de Deus, nunca mencionou em lugar algum que alguém tenha obrigatoriamente que crer em Jesus (é seu livre arbítrio aceitar ou não), mas deixou uma mensagem clara, traduzida na nossa própria língua, para mostrar a todo aquele que quiser crer que então obedeça ao mandamento do batismo, e o Filho de Deus cumprirá Sua promessa (a vida eterna).

A Visão de Neemias

INTRODUÇÃO: Como podemos nos inspirar no exemplo de um dos menores profetas do Velho Testamento para aprendermos a desenvolver resultados na igreja – e na vida pessoal – ainda por cima sem conflitar com a obediência que devemos às novas ordenanças de Cristo, no Novo Testamento?

Histórico: Neemias, servo copeiro do Rei Artaxerxes (Pérsia), num cativeiro a 1.500 km de uma Jerusalém conquistada e em grande parte destruída pelo Rei Nabucodonozor.

 

1ª. PARTE: Conceitos sobre Liderança

– O mais comum: fazer a coisa certa. Não tem a ver com Poder (posto, dado e tomado) nem Autoridade (respeito natural), porque é ligado a pessoas (exemplos, com nossos respectivos desprezo e admiração).

– Como sinônimo de Gerenciamento (fazer da maneira certa) e Visão (levar as pessoas a se moverem em direção àquilo que trará um benefício a todos).

 

2ª. PARTE: Como desenvolvê-la.

– A liderança começa quando surge uma visão, após uma insatisfação, que a inspira.

– Diferenças para a insatisfação cínica: ostracismo, murmuração e, por fim, abandono.

– Diagnóstico: Problema pra resolver ou oportunidade pra fazer a coisa certa?

a) Crie um plano sob a vontade de Deus.

Neemias soube que alguns judeus, fugitivos de Nabucodonozor, estavam em Jerusalém, passando miséria e desprezo, chorando e se lamentando. Causa: corrupção (alteração, falsificação, perversão) – e desobediência de Israel.

A Bíblia relata que Neemias sentou-se pra chorar, tendo lamentado e jejuado por dias, até que orou a Deus sobre Sua Aliança e misericórdia para com o povo que O ama e guarda Seus Mandamentos, pedindo-Lhe que lhe visse confessando os pecados em nome do povo (senso de atitude) e que lhe concedesse mercê (benefício, favor ou graça) perante o Rei, pois era copeiro. Aplicações: a) entregue tudo perante Deus, e previamente.

Um tempo depois, enquanto Neemias servia o vinho, o Rei percebe sua tristeza e lhe pergunta o porque (ler Ne 2:2-3 –Neemias tem medo). O Rei lhe concede um pedido e Neemias declara seu propósito. Aplicações: b) tenha coragem de agir, apesar do medo.

O Rei também perguntou QUANTO TEMPO DURARÁ A TUA AUSÊNCIA? Neemias então marcou “certo prazo” (Ne 2:6b) e pediu cartas para passar entre os governadores dalém do Eufrates (liberdade para agir) e madeira (para as portas, vigas e alojamento). O Rei concede-lhe ainda oficiais do exército e cavaleiros (um excesso que Neemias percebeu como a mão de Deus). Sambalate e Tobias não gostaram de saber que alguém procurava o bem dos filhos de Israel. Aplicações: c) nem todo mundo vai gostar de mudanças.

b) Transforme seu plano em uma missão.

Características da missão:

– é a visão comprometida, ou seja, é o que faz a pessoa dedicar-se ao plano e realizar os objetivos. Neemias quis reedificar as ruínas, mas quem quer que deseje “fazer a coisa certa” leva saúde onde há doença, conhecimento onde há ignorância, realização onde há oportunidade;

– tem passos específicos (metas) e um prazo (senão vira algo sem importância, que ninguém sabe se ainda está valendo).

 

Depois de responder ao Rei que ficaria ausente durante “certo prazo” (Ne 2:6b), Neemias partiu para Jerusalém. A Bíblia diz que ele, durante 3 dias:

a) Começou com poucos homens motivados e sem dizer a ninguém (aplicação: não se convence a todos), e não tinha animal algum, senão o que montava (aplicação: comece com seus recursos);

b) Andou observando à noite (aplicação: requer tempo e atenção só para isso, sem ouvir choro e lamentação), e não avisou A NINGUÉM:

– nem aos magistrados (não era nada contrário à lei jurídica);

nem aos judeus (seu propósito era reconstruir o muro para a glória de Deus);

nem aos sacerdotes (não era um pecado), nem aos nobres (não dependeria do dinheiro de ninguém), porque (v. Ne 2:11) Deus tinha posto em seu coração o que deveria fazer.

c) Entre em ação.

O homem só se move por dois impulsos básicos: benefício e ameaça).

Tendo somado sua confiança no Senhor com as observações que fez durante três dias, Neemias por fim chamou a atenção DELES TODOS:

– para a situação-problema comum (o caos em Jerusalém e o opróbrio);

– para compartilhar a visão (reedificar o muro);

– para declarar que Deus estava consigo e também as palavras que o Rei lhe falara (“tristeza” e “quanto tempo?”).

 

Então, a Bíblia diz que fortaleceram as mãos, cada um à sua obra, desde o raiar do dia até o sair das estrelas.

Aplicação: Envolvimento pelo elemento comum (bom ou mau) e as conseqüências igualmente comuns (boas ou más)! … Neemias combina os dois impulsos básicos à ação:

– (opróbrio: maldição, desonra, vergonha, execração, infâmia, mácula, humilhação).

– o significado do muro (fortaleza): aqui dentro está o povo de Deus (e Deus com ele!). Aqui o inimigo não entra! Para quem passa lá fora, podemos ter muito o que fazer, podemos ser poucos, mas jamais seremos derrotados, jamais desapareceremos!

 

3ª. PARTE: Conclusões

Pessoas comuns pensam que para se realizar algo grande é preciso ter um cargo importante, uma multidão disposta já no início dos seus planos e muito dinheiro. Neemias não reconstruiu tudo sozinho, mas começou de onde estava (era um copeiro) e com o que dispunha (o animal em que montava). Nem escravos pediu ao Rei, apenas carta e madeira – e também para não perder tempo!

Neemias também ficou se lamentando, mas por apenas “alguns dias” (Ne 1:4), e logo partiu para uma visão, um sonho não egoísta – e daí a diferença de significados de liderança para o cristão e as pessoas lá fora.

Cristãos verdadeiros têm certeza de que receberam um dom especial (Tg 1:17: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito é lá do alto, descendo do pai das luzes, em que não pode existir variação ou sombra de mudança”).

O cristão tem liberdade pra agir (Gl. 5:1), não precisa de carta, nem de avisar magistrados, nem de pedir dinheiro para gente nobre. Neemias, compreendendo que Deus é grande, temível e perfeito, jamais disse “-Vou reconstruir os muros pra Ti, Senhor”, mas sim “Ah, Senhor! Estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração do teu servo e dos servos que se agradam de temer o teu nome, e concede que sejamos bem sucedidos!” (Ne 1:11).

Visão gera direção, ordem, devoção. Põe resultados no lugar da falta de objetividade (liderança).

A maior visão de todas vem de Deus, foi transformada em missão na pessoa de Cristo e refere-se à evangelização. Paulo tinha consciência de suas imperfeições (tristeza), mas prosseguia na carreira cristã (não perdia tempo) – Fp. 3:12. Evangelizou o mundo e graças a Deus você está aqui hoje.

A visão de Neemias, voltada para o benefício de seu próprio povo, foi concluída em 52 dias e a Bíblia conta (Ne 6:15-16) que todos os inimigos ouviram, temeram e decaíram muito de seus próprios conceitos, vendo a intervenção divina.

Independentemente de onde nós estamos ou daquilo que temos, o que mais iremos ficar nos perguntando, continuar achando que precisa para “restaurar os muros caídos”, depois do exemplo de Neemias?

Para concluir, Ne. 1:8-9: Lembra-te da palavra que disseste a Moisés, teu servo: Se transgredirdes, eu vos espalharei por entre os povos; mas, se vos converterdes a mim, e guardares os meus mandamentos, e os cumprirdes, então, ainda que os vossos rejeitados estejam pelas extremidades do céu, de lá os ajuntarei e os trarei pra o lugar que tenho escolhido para ali fazer habitar o meu nome.

Aos irmãos que estão longe, peço a Deus que o Rei esteja perguntando hoje: Por quê você está triste, se não está doente? Quanto tempo durará a tua ausência?