Nossa despedida

Cuiabá (MT), 27 de dezembro de 2002.

Cara Perna,

Estou escrevendo esta carta de despedida, esperando resolver de uma vez por todas as nossas diferenças. Preciso te dizer que estou apaixonado por outra. Ela vem do Canadá em breve, creio que em meados de junho do ano que vem.

Mas antes, quero confessar algumas coisas. Primeiramente, se te pisei em alguns momentos da nossa vida juntos, não foi por mal. Todos nós estamos sujeitos a alguns tropeços aqui na Terra, ou nas calçadas… veja que em 100% das vezes era porque eu buscava um equilíbrio. Houve ocasiões em que alguém que nem conhecíamos te pisou e, se eu não revidei, desculpe, a pessoa devia ser mais forte, e preferi te proteger embaixo de mim.

Você foi, em todos esses 26 anos de convivência, a única a me acompanhar em todos os lugares por onde passei. Você me levantou quando eu estava pra baixo e, em outras vezes, demos pulos de alegria, quando você me fez subir na vida (ainda que apenas alguns centímetros).

Nós já saltamos de pára-quedas e já mergulhamos juntos, e me lembro de cada arrepio seu. Eu me recordo que até quando eu estava chorando, de joelhos, você estava lá, bem pertinho atrás de mim, e isso me deu muita satisfação. Lembra-se quando éramos crianças, e você pisou no prego? Eu chorei contigo, e te disse na ocasião que aquela injeção antitetânica no hospital iria doer tanto em mim quanto em você.

Com você aprendi a andar de bicicleta, subimos em árvores, acampamos em finais de semana, fizemos caminhadas… lembro-me do orgulho que senti de você quando ganhou aqueles 4 campeonatos de tae-kwon-do, todos em primeiro lugar (acho que estou querendo chorar neste momento…).

Para onde quer que eu fosse, lá ia você na minha frente, parece até que adivinhava meu pensamento, porque nunca ocorreu de eu ir para um lado e você para outro. Enfim, foram tantas as coisas que fizemos juntos… que eu jamais imaginaria um dia te perder por causa de uma moto!

No começo, passeamos até debaixo de chuva… você ficava linda naquela calça e bota de couro! Quando chegávamos em algum lugar, éramos um sucesso, e você sempre descia primeiro, apoiando gentilmente o peso da moto para eu descer…

Mas então, veio a decepção. Em  nosso primeiro acidente, que foi tão feio (lembra-se?), quando acordei no hospital 21 dias depois, você já havia partido há  uma semana, e nem sei onde você está agora.

Passados esses quase sete meses, sentindo todos os dias que faltava um pedaço de mim, resolvi sair dessa depressão, mesmo porque ela não me levaria a lugar algum, literalmente.

Talvez sensível à minha condição, meu tio até me deu um novo veículo. Não é um Jaguar, mas é um Jaguaribe, modelo Ágile, todo preto, com detalhes cromados, descanso para os braços, rodas raiadas, conversível, zerinho. Com ele tenho ido de festa de aniversário de criança a lugares de verdadeiro rally, sempre chamando muita atenção.

Mas só isso não basta, o que descobri antes mesmo de ganhar meu novo brinquedinho. Da última vez que estive em São Paulo, fiquei sabendo de uma canadense que um médico amigo meu vai nos apresentar (ele me disse que as canadenses são as melhores!).

Pelos dados que levantei, sem conhecê-la, vejo que é a companheira ideal: ela é nova, não é como você, que nasceu no milênio passado. Vai me apoiar em tudo, da hora que eu acordar até a hora de dormir, pelo resto da minha vida, e tenho certeza que ela iria até ao túmulo comigo.

Meu amigo médico disse que ela é muito discreta, mas de uma fibra! Posso descarregar todo meu peso que ela agüenta, e se eu algum dia explodir de raiva ou impaciência, quem dormirá no sofá é ela. Além disso, não tem chulé, frieira, unha encravada, olho-de-peixe, pé-de-atleta, não precisará cortar as unhas toda semana e todo esse monte de outras preocupações pra encher o saco. Pra você ver: aceita até que eu tenha namorada! Em um encontro de motociclismo que fui em Campo Grande/MS, vi um cara com duas delas, uma de cada lado!

Acho que ela será dura (principalmente na testa) com aqueles que ousarem tirar alguma piadinha comigo… e, se precisar, ela inclusive me ajudará a correr. Além de tudo, consegue descontos de até 40% nas melhores concessionárias, desde que eu compre um carro zero!

É a vida que pedi a Deus. Não vejo a hora de nos encontrarmos, tomarmos banhos juntos, dormirmos em minha cama (meus pais aceitam!) e fazermos muitas outras coisas que eu nem acreditava serem possíveis.

Para mim, você é assunto morto e enterrado.

Jackson.


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