O Credor Impiedoso

A Parábola do Credor Impiedoso

21 Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: “Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?”22 Jesus respondeu: “Eu lhe digo: Não até sete, mas até setenta vezes sete.

Em primeiro lugar, a curiosidade de Pedro nos ensina que devemos buscar a verdade espiritual para nossas dúvidas em Deus. Perdoar não é uma reação natural, algo biológico, nem é imposto por lei, nem dá dinheiro…. é uma virtude espiritual, assim como a paciência, a humildade e a busca pela paz em sociedade e vem de Deus (significado de “graça”). Mas enquanto Pedro, homem, demonstra que sua paciência é finita, limitada (e por isso ele quer um parâmetro para medir sua própria justiça), Jesus lhe mostra que a paciência de Deus é revelada no Seu perdão (70 x 7). Ou seja, não importa o tamanho da falta de cada homem (se cinco, sete ou inúmeras); Deus multiplica Sua Graça (favor imerecido).

23 “Por isso, o Reino dos céus é como um rei que desejava acertar contas com seus servos.

24 Quando começou o acerto, foi trazido à sua presença um que lhe devia 10.000 talentos de prata.

25 Como não tinha condições de pagar, o senhor ordenou que ele, sua mulher, seus filhos e tudo o que ele possuía fossem vendidos para pagar a dívida.

24 – Para ter uma idéia do tamanho dessa dívida, acompanhe este raciocínio: se um talento equivalia a 35 kg de prata, 10 talentos = 350 kg de prata, e 1.000 talentos = 3.500 kg de prata, 10.000 talentos = 35 toneladas de prata! Pesquisando o preço da prata, que está R$ 3,20/g, se 1 kg tem 1.000 gs, 1 talento (R$ 3.200,00 x 35 kg) = R$ 112.000,00. O homem devia 10.000! Logo, as 35 toneladas davam 1,12 bilhão de reais, fortuna de só alguns poucos homens no planeta.

26 “O servo prostrou-se diante dele e lhe implorou: ‘Tem paciência comigo, e eu te pagarei tudo’.

27 O senhor daquele servo teve compaixão dele, cancelou a dívida e o deixou ir.

28 “Mas quando aquele servo saiu, encontrou um de seus conservos, que lhe devia cem denários. Agarrou-o e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Pague-me o que me deve!’

29 “Então o seu conservo caiu de joelhos e implorou-lhe: ‘Tenha paciência comigo, e eu lhe pagarei’. 30 “Mas ele não quis. Antes, saiu e mandou lançá-lo na prisão, até que pagasse a dívida.

Quando o homem se reconheceu impotente para salvar-se a si mesmo da condenação, pediu paciência, mas o Rei teve compaixão (= dó, pena, piedade), porque nada que o servo fizesse podia pagar tanto dinheiro, e então cancelou a dívida e o dispensou.

Porém, ao encontrar um conservo (também servo do Rei!), passou a agredi-lo e a exigir imediatamente o pagamento de 100 denários (moeda de prata equivalente à diária de um trabalhador braçal. Salário mínimo/30 dias = R$ 15,50 x 100 = R$ 1.550,00, ou aproximadamente 3 meses e 11 dias. Interessante: o devedor provavelmente tivesse bens nesse valor; bastava uns dias para vendê-los e pagar o credor. Mas este, esquecendo que tinha acabado de se livrar da falência, da prisão e da perda da família para quem quisesse comprar, mandou prender o conservo, que aceitou a autoridade de outro servo como ele!

31 Quando os outros servos, companheiros dele, viram o que havia acontecido, ficaram muito tristes e foram contar ao seu senhor tudo o que havia acontecido. 32 “Então o senhor chamou o servo e disse: ‘Servo mau, cancelei toda a sua dívida porque você me implorou. 33 Você não devia ter tido misericórdia do seu conservo como eu tive de você?’ 34 Irado, seu senhor entregou-o aos torturadores, até que pagasse tudo o que devia.

35 “Assim também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar de coração a seu irmão”.

Quando Jesus estabeleceu o seu Reino (igreja), começou um “acerto de contas”, disposto a cobrir de bênçãos cada servo, não qualquer pessoa. Bíblia: graça/salvação (perdão de nossas dívidas) é favor imerecido: reconhecer-se incapaz de salvar-se a si mesmo, qualquer que seja o tamanho da “dívida”. Em Deus (Rei), chance de uma nova vida. Como se faz isto? 1º – Deus já fez Sua parte (João 3:16). 2º. – Cientes disto no passado (quando nos prostamos e recebemos o perdão por nossa dívida impossível), também queremos trazer ao Rei quem se sujeita à autoridade falsa de homens x exigências (tempo, do seu trabalho, bens e família) para quitar pequenas faltas, impedindo o Senhor aproximar-se.

 

A Bíblia fala em Cl. 2:13-14 que Ele (Jesus) nos perdoou todas as transgressões, 14 e cancelou a escrita de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz.

Deus não negocia (descontos, parcelas, vender bens e família). Maioria das religiões com base bíblica pregam só existir dois caminhos (céu e inferno). A condenação genérica (aos devedores) e a absolvição (perdão das dívidas) estão subordinadas ao Único que a impede: Deus e a Sua Graça incondicional, através do perdão em Jesus (porque Ele sofreu a pena corporal em seu lugar). Cl. 1:13-14: transportou para o Reino.

Mais dia, menos dia, você se deparará com o seu credor. Um pode lhe pedir sacrifício, outro lhe pedirá dinheiro, outro a perda de alguma coisa tão ou mais importante quanto o dinheiro: o tempo. O importante não é esse tempo, o agora. A maior importância do tempo é como ele será passado após você morrer, porque aí nada mais poderá ser feito por tua vida (ou céu ou inferno). A Bíblia diz que nossa esperança não está em homens, mas no Senhor. Porém, não só de esperança (‘ter Deus no coração”), ou aceitar aspectos fundamentais do Evangelho (“Deus é bom”), pode salvar alguém. É preciso prostar-se diante Dele, e sentir o infinito perdão de Deus, Sua paciência com nossas faltas, e a compaixão sobre nossas vidas.

Apenas no Cristianismo o perdão é grátis (sem vender bens, sem pagar promessas, sem autoridade humana, sem dízimos, sem voltar em outra vida, sem sacrificar animais, sem dar para receber, sem rituais estranhos, sem proibir comidas específicas, sem passar fome em jejuns).

E é por isso que nós, Igreja de Cristo, te convidamos para estar aqui: como fomos livres por meio daquele perdão (servos companheiros), queremos levar ao Senhor (assim como um dia alguém fez com cada um de nós) todos quantos se sentem angustiados por “falsos senhores” (servo mau), que lhe cobram uma dívida a qual não sabem como vão pagar (conservo). Só o dono da dívida pode perdoá-la para você, bastava alguém lhe informar isto.

O Jardim de Deus

Texto-base: Gn. 2:8: E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, do lado oriental; e pôs ali o homem que tinha formado.

– Deus mandou fazer muitas coisas (luz, águas e nuvens, terra e mares, árvores e animais), mas plantou pessoalmente um jardim.

– Várias vezes Deus compara a igreja a um jardim (e até cantamos), e outras Jesus menciona que árvores que não dão bons frutos serão lançadas fora.

– Componentes de um jardim (x maturidade espiritual): árvore, arbusto, grama, cerca e placa “Não pise”.

  • a) árvore: cristãos maduros na fé, com longos anos na igreja;
  • b) arbusto: aquele que já está no Cristianismo há algum tempo, não se deixa mais levar por qualquer doutrina, mas também ainda não atingiu o pleno amadurecimento;
  • c) grama: os novos convertidos, que são iniciantes no Cristianismo, e que dependem da compreensão dos mais experientes.

– A cerca é a igreja (que guarda a “árvore”, o “arbusto” e a “grama”), e a placa colocada pelo Jardineiro (=Jesus), mostra que ele protege a “grama”; logo, devemos nós também proteger os novos convertidos.

– Não pode um elemento do jardim estar longe do outro (Deus x acepção de pessoas – At. 10:34, Rm 2:11):

  • a) Há árvores enormes que só têm espinhos (paineira: dão trabalho, machucam, enquanto uma das gramas mais bonitas de um jardim é a espécie “esmeralda”; e as esmeraldas são caras;
  • b) Árvores não podem fazer sombra à grama (matá-la), mas deixar que a grama também receba a luz que vem do céu (Bíblia);
  • c) Boas árvores e grama crescem com luz (Jo 12:46: Eu sou a luz que vim ao mundo) e água (João 4:14: quem beber da água que Lhe der jamais terá sede).

Conclusão: recebendo luz (evangelho) e água (batismo), é sua obrigação crescer.

 

Jardim:

– só de árvores = não é jardim, mas selva bruta

– só de arbustos = cerrado (árvores pequenas, retorcidas, feias). Estagnação espiritual.

– sem grama = não existe (solo árido, onde nada consegue nascer)

Caso Encerrado

Eram 1:45 da manhã e ele ainda estava acordado. Não havia ainda compreendido o porquê de estar tão desperto, já que levantou-se muito cedo e o dia tinha sido um tédio. Tedioso como todos os demais dias da sua vida, desde quando entrou na prisão. Pairava no ar um silêncio de morte.

Na sua mente, repassava todos os últimos acontecimentos e desesperava-se por encontrar uma saída: mais cedo ou mais tarde, viriam acertar as contas. Num sobressalto, seus pensamentos foram dissolvidos por um barulho estralado, que vinha do corredor. O ruído não era alto, mas naquele instante, em que podia ouvir até as batidas do seu coração, fazia-se perfeitamente audível. Parecia que alguém estava rasgando alguma coisa.

Com seu espelho na mão (presente de uma puta, que conheceu nas visitas semanais), pôs o braço um pouco para fora da cela e viu o que não queria: dois homens traziam para fora da cela um rapazola assustado, com um pedaço de toalha enfiado à força goela abaixo, amarrarando-lhes em seguida os pés com as mãos, às costas, de forma que ficasse completamente indefeso.

Já não era novidade ver alguém abrindo as grades de seus quartos à noite, cujas chaves eram feitas com pedaços de isqueiro e alfinetes, que conseguiam não se sabe como. Tudo se improvisava na prisão, até mesmo a morte.

Não sabia o que o rapaz tinha feito, mas parecia ser daqueles novatos que desconhecem as regras do Crime: não viu nada, não ouviu nada e não sabe de nada, aconteça o que acontecer. De onde estava, a poucos metros da cena, pôde ver que um dos algozes era um mulato forte, que tinha apanhado dos guardas uns dias antes e teve que ser medicado no Ambulatório.

“Medicado”… o que faziam lá talvez fosse pior do que ficar em um canto quieto, esperando que as feridas do corpo sarassem. As da alma, que nunca cicatrizavam, seriam suas razões e motivos no dia em que se vingaria do sistema, contagem essa que teve início quando caiu pela primeira vez, junto com outros comparsas que tinha acabado de conhecer. Jurava que fossem seus amigos naquele dia em que o levaram na zona para um “batismo” e, quando acordou, estava amarrado a um pau-de-arara confessando coisas que jamais imaginaria fazer com alguém.

É… anos de xadrez e agora ele era mais um número naquele covil, sem qualquer esperança de voltar vivo para casa, embora tivesse a contar muitas histórias e estórias ouvidas na prisão, das pessoas que conheceu e de outras que, por sua fama de crueldade, faziam-se parecer heróis às avessas, justiceiros injustiçados, sem raízes em qualquer lugar, como se tivessem vindo diretamente do inferno.

Tudo isso passava em sua mente enquanto assistia o rapazola assustado, que estava agitadíssimo, mas impotente para impedir que seus carrascos o arrastassem. Deram-lhe uns murros, cuja dor se manifestava em berros abafados pelo pedaço de toalha que haviam introduzido em sua garganta. Parece que funcionou porque o homem, se não estava desmaiado, fingia estar, na frágil esperança de que assim procedendo talvez cessassem seu suplício.

Viu ainda pelo espelho – já nem tinha noção de há quanto tempo assistia aquele espetáculo de horror – que um fim trágico não tardaria àquele rapaz, pelos métodos que estavam usando: com um fio elétrico resistente, passaram algumas voltas em seu pescoço e o traziam para o parapeito no corredor. Lá embaixo, estava o pátio de onde viam o sol uma hora por dia.

Amarrando a outra extremidade do fio à coluna de concreto do corredor, desfizeram os nós que atavam suas mãos e pés. Viu-se que o desmaiado despertara na pior hora daquele pesadelo: o seu desfecho. Lançaram-no ao nada, e só se pôde ouvir o estalo do fio, que havia se arrebentado, e o baque seco do corpo no chão, inerte ante a gravidade do choque. A simulação de suicídio havia falhado, mas o final que se buscava com o castigo, não.

As traições eram resolvidas com o enforcamento, mas o vôo da morte naquela madrugada precisaria de um pretexto, digamos, mais forte. Não estava previsto no roteiro o rompimento do fio, e o som de um corpo estatelando-se no concreto era por demais familiar para que os guardas não se importassem. Afinal, barulho e berros na madrugada eram muito comuns, mas não cabia a eles interferir nos negócios acertados na escuridão da noite, pelo próprio regulamento interno e secreto que vigorava na prisão; poderia até ser que alguém estava currando algum novato, e isso era para eles normal. Instinto.

De pronto, percebeu-se então uma luz acender lá embaixo e notou que os dois vultos daquele corredor vinham em direção à sua cela. Apavorado, deixou cair o espelho, fazendo barulho, o que reacendeu a ira daqueles assassinos. Para eles, era preciso agir rápido e, com a destreza de quem já havia feito aquilo centenas de vezes, abriram o cadeado em segundos. Não havia necessidade de mordaças, pois a vítima estava imóvel e muda de terror, como um animal em sacrifício.

Lançando mão do pedaço de fio elétrico que ainda estava amarrado à coluna, deram-lhe duas voltas apertadas no pescoço e o jogaram no mesmo lugar do outro, ouvindo-se um segundo corpo quedar ao chão.

Passos no corredor. O carcereiro também acordara e vinha acompanhado de mais homens, e logo chegariam ao segundo andar, o palco daquela noite. Os vultos recolheram-se rapidamente à cela e em silêncio cerraram o portão de ferro, no mesmo instante em que os donos daqueles passos já faziam sua sombra naquele pavilhão. O silêncio era aquele mesmo silêncio de morte de antes, como se não estivessem mais ali aqueles assassinos e tudo tivesse sido causado por fantasmas criados no imaginário daqueles homens, quando em momentos de absoluta solidão. Um dos guardas aproxima-se do parapeito e olha lá embaixo, onde o colega já ilumina com a lanterna os corpos amontoados um sobre o outro.

No pavilhão, tudo é silêncio e não é aconselhável, para sua própria segurança, despertar aqueles homens no meio da noite para arrancar explicações. O horário de sono é sagrado na prisão, porque oportuniza que façam dos sonhos o passaporte para uma experiência longe das grades, antes que acordem na rotina da realidade.

* * *

No outro dia, logo cedo, o relatório do plantão noturno chega às mãos do Diretor do Presídio. Rotina de praxe, ele assina sem ler e em seguida guarda na pasta do arquivo. O veredicto ali deduzido era o estranho suicídio de um casal, ou seja, mais um desses casos bizarros de paixão prisional que não raro resultam em morte.

Os corpos foram levados ao IML, onde os peritos atestaram a versão do Diretor, sem maiores cuidados. Retiraram o fio elétrico dos pescoços daqueles cadáveres e em seguida liberaram os corpos para o sepultamento. Vala comum; nenhum teve visita de parentes nos últimos 12 anos.

Apenas uma curiosidade intrigava o coveiro, que conhecia a história de todos aqueles que enterrara em anos de profissão: aquele pano na boca ainda estava lá, como um trapo, sem qualquer relação aparente ao suposto caso entre os dois.

Com dois últimos movimentos, acabou de cobrir a cova e selou com terra a existência daqueles homens para sempre. A toalha? Ora, quem se importa? Afinal de contas, só o amor liberta.

 

Cuiabá (MT), 27 de junho de 2001, às 11:30 horas.

O “DANGER”

Naquele bairro sujo moravam, na mesma rua, as crianças Deodato, João Cirilo, Caetano e Marisa. Todas de pé no chão, nariz escorrendo, uma nojeira.

Mas eram felizes porque, embora já tinham idade para saber das dificuldades financeiras pelas quais passavam suas famílias, isso nunca foi motivo de violência doméstica, ou alcoolismo; e depois, elas próprias nunca brigavam, passando assim a deliciosa fase da infância.

Deodato era o mais novo deles e, por causa de seu corpinho raquítico, tinha o apelido de “Chassis de Frango”. João Cirilo e Caetano aprontavam todas, e a culpa naquelas traquinagens em que não se descobriam os autores era de pronto atribuídas a eles, graças aos diligentes comentários das vizinhas fofoqueiras de plantão.

Marisinha, coitada, como não tinha amigas, andava com os moleques e participava de igual para igual em todas as brincadeiras, como se menino fosse. Não raro se machucava feio, e depois da dor de seus ralados e tombos ainda ganhava mais uma surra quando voltava pra casa.

Mesmo assim eram felizes porque, naquela idade, todos por volta de seus 8 ou 9 anos, ainda tinham o privilégio de cair da árvore, levar tombo de bicicleta e se sujar na lama das chuvas, ao invés de ficarem “sãos e salvos” dentro de casa e na frente de uma televisão o dia inteiro, como faziam as crianças do outro lado da cidade.

Há algum tempo, houve a época das bolinhas de gude; depois vieram os “acampamentos” feitos com sacos de estopa, dali a pouco vinha qualquer outra mania… mas a moda agora era contar vantagem: um falava que lutava caratê, outro falava que andava armado (tudo bem que era apenas uma caneta Bic sem a carga, onde uma das pontas ostentava uma lâmina de apontador de lápis, mas não importa), o outro dizia que seu pai era polícia… enfim, todos eram um verdadeiro perigo ambulante.

Deodato “Chassis de Frango”, coitado, não conseguia arrumar um motivo forte o bastante para incutir medo na gurizada. Como era o mais fraquinho, vivia sendo humilhado nas brincadeiras: ora não corria o suficiente, ora não tinha a força necessária, mas o que sempre o deixava pra trás mesmo era o fato de ter um problema neurológico – era mentalmente debilitado, não batia bem da cabeça.

As vizinhas comentavam que ele tinha um ar meio bobo, é verdade… mas seus pais faziam de tudo para encobrir seu problema e seus remédios controlados, pegos no postinho de saúde de outro bairro. Sabe como é a saúde no Brasil… às vezes a medicação atrasava, e isso geralmente refletia no seu comportamento, fazendo com que agisse impulsivamente e sem medir conseqüências. Da última vez que os remédios faltaram, ele tinha ateado fogo na casinha do cachorro pra brincar de bombeiro. O incêndio até que ficou legal, o pânico da “vítima” também, a água para apagá-lo era mais que suficiente, mas o cachorro… coitado.

Num belo dia, já pelas dez horas da manhã, a molecada estava toda reunida no campinho de terra, onde costumavam jogar bola; porém, o objetivo daquela reunião era comparar entre eles o “violento potencial lesivo” de suas respectivas famílias, entre autoafirmações de força e coragem. A Marisinha estava toda metida, dizendo que seu pai “polícia” tinha matado 8 bandidos na noite anterior, não sem antes fazê-los ajoelhar no grão de milho (ou seja, homicídio qualificado pelos “requintes de crueldade”).

Já Caetano contava de boca cheia que “pegou” um grandão invocado lá da rua de cima e “riscou ele na faca”, tendo seu desafeto ido parar no hospital. Pelo que tinha sabido, ele ia ficar lá “pra sempre”. João Cirilo, que era “faixa preta” no caratê (embora ninguém soubesse o porquê dele sempre ter escondido essa sua, digamos… identidade secreta), alardeava que fora chamado para participar de uma espécie de vale-tudo infantil nos Estados Unidos, com tudo pago (inclusive com uma passadinha na Disneylândia, porque ele tinha feito uma “exigência de artista”: queria ver o Pateta e o Mickey). Até aí, nada do Deodato, a quem não viam desde a tarde de véspera, aparecer pra contar sua “história”.

João Cirilo, como era o mais forte da turma, foi o que conseguira meter mais medo em relação às realizações dos demais. Na verdade, nunca teriam notícias sobre o policial herói que com apenas 6 balas matara 8 bandidos ajoelhados sobre grãos de milho, assim como jamais seria conhecido o “grandão invocado da rua de cima”, por causa de sua internação perpétua. Já o negócio do Caetano era no futuro e ninguém podia contestar. Mas com o João Cirilo era diferente, ele tinha “provas”: vivia dando umas demonstrações de golpes por aí, socando e chutando o ar com a maior seriedade deste mundo, sempre impondo temor e respeito (senão pela técnica, com certeza pelas poses). Tudo bem que não fazia mais do que imitações baratas de filmes da Sessão da Tarde, mas ninguém precisava saber disso, até porque na época ele era o único que tinha televisão em casa.

Estavam discutindo suas valentias há algum tempo quando eis que surge, a meia quadra dali mas correndo na direção deles, uma espécie de “Rambo ninja”, enrolado num lençol laranja puído (provavelmente dos pais), com um largo cinto de couro na cintura, bem maior que si (provavelmente do pai) e outro vermelho (provavelmente da mãe), com rebites cromados e enrolado como uma faixa na altura da testa. Na cintura, ainda carregava um estilingue, uma velha faca de mesa serrilhada, uma latinha achatada contendo talco (era sua “bomba de fumaça” ninja) e uma corda fina de plástico (provavelmente do varal), itens mais que obrigatórios em qualquer bat-cinto.

Enroladas nos pulsos, tiras de couro meio queimadas (provavelmente o que sobrou da coleira do cachorro) e, na mão esquerda, uma tampa de lixo com alça, feita de metal (provavelmente um escudo), enquanto que a direita segurava um cabo de vassoura (provavelmente um bastão). Além disso, ainda trazia nas costas uma espada de plástico do He-Man (provavelmente achada no lixo), amarrada com um araminho mole. Da cara toda pintada de um troço preto, parecendo graxa, saltavam seus olhos injetados de ódio, e a bocarra, amedrontadoramente aberta, dizia os maiores impropérios já ouvidos naquelas vizinhanças.

O moleque estava possuído: gritava e brandia o pedaço de vassoura enquanto vinha em disparada, mostrando uma inegável disposição de dizimar a todos só para marcar com um banho de sangue e para todo o sempre a lenda de sua existência.

Ao ver aquilo vindo em sua direção, a gurizada, depois uns 3 segundos de bobeira paralisante, debandou geral em desespero, uns chamando pela mãe, outros subindo em árvore e no que vissem pela frente. Os vizinhos apareceram para acudir e até o Seu Batista, acomodado dono do boteco da esquina, veio ver o que era aquele pandemônio. Era criança chorando, gente rezando, cachorro latindo… virou um escarcéu.

Ninguém sabia, mas Deodato não tomava remédio há uma semana. Já o coisa, deleitando-se com aquele cenário de guerra que tinha armado na rua, viu-se finalmente orgulhoso de ter vingado todo o desprezo e zombaria sofridos na vida.

Já não tinha policial herói, marginal corajoso ou carateca campeão que estivesse à sua altura, porque todos o temeriam a partir de agora. Como não conseguiu acertar bordoadas em ninguém (até porque qualquer um corria mais rápido que ele), só sossegou mesmo quando a mãe apareceu, aflita, as mãos em prece. Ela, sim, era a própria figura de um sábio e honorável mestre, digno de todo o seu respeito e honra, porque além de não dar-lhe uma surra, ainda cuidou de abafar o caso, nada deixando chegar ao ouvido do pai. Enfim, coisas que só um verdadeiro espírito iluminado faria.

Passado aquele susto, dali a poucos dias mudaram-se para outra cidade e nunca mais se teve notícias deles. Aquelas “perigosíssimas” crianças cresceram e também foram embora, e novos vizinhos mudaram-se para lá. Porém, aquele episódio marcou data e, até hoje, quando a gurizada na rua começa a querer brincar de valentes de novo, todo mundo se lembra do Deodato “Chassis de Frango”, e os mais velhos ainda comentam à meia-boca: perigoso mesmo é o tarja preta.

 

Cuiabá/MT, 19 de fevereiro de 2003.

Meus Sapatos

Hoje vi que meu sapato tinha um furo. Bem embaixo do dedão direito. Sapato furado é sinal de pobreza, né? Talvez o seu sapato, porque o meu tem um furo mas está bem engraxado.

Por metáfora, percebo a vida como o tempo passado sobre estes sapatos, desde quando ainda estavam nas primeiras ruguinhas, causadas pelo pouco uso.

Comparo estas ruguinhas a quem não sabe onde ir, tal como eu era antes de minha metáfora me convencer a escolher uma vida de negócios. Escondia um eu verdadeiro sobre sapatos que não sabiam para onde ir, que preferiam parar inertes diante de vitrines opacas de um sucesso artificial, disfarçado com muita luz, decoração, música e photoshop.

Penso então nas pessoas que trocam seus sapatos quando aparecem as primeiras ruguinhas, justificando ser “importante”. Talvez seja da maior importância para o vendedor (da loja), cuja sobrevivência depende muito mais da vaidade alheia do que de um ou outro sapato furado que aparece de vez em quando.

Mas isso não significa que andarei com meus sapatos gastos por aí. Se meu sapato tem um furo e precisor comprar um novo par, é porque não quero apenas sobreviver, mas superviver. É para isso que hoje e gasto sola trabalhando no que me dá prazer, ao contrário de antes, quando ficava na frente do guarda-roupa admirando como meus sapatos estão novinhos e brilhando… há mais de ano (e a vida ia seguindo sem deixar pegadas minhas, apesar do pesado fardo de desculpas, “mentiras verdadeiras” e conformismo por não encontrar a oportunidade “certa” para agir).

Por quê somente hoje percebi que precisava de sapatos novos? Talvez não seja o sapato que gastou rápido, e sim a meta que chegou mais cedo. E ao dormir descalço o meu sapato furado, mas feliz da vida porque apesar dos atritos que lhe trouxeram as rugas, o brilho ainda vem por fricção.

Curitiba/PR, 26.11.09, às 23:17.

Diário

20.01.09: Retomando a escrita deste livro, decidi passar uns dias na chácara em Chapada dos Guimarães, buscando a concentração que só o isolamento dá. Também seria ótimo passar mais tempo na Pousada Santa Rosa, com a Mirela, a Margô, a Danuza e companhia. A Margô está toda feliz por ter encontrado um ex-namoradinho de colégio, mas o cara está passando por uma crise de dor de barriga, impedindo-o de conversarmos por períodos muito longos, rs. Logo no primeiro dia na chácara, de manhã, comecei por ler o conteúdo dos arquivos (anexos, entrevistas, documentos etc.). Escrevi a Introdução e fui até a página 11. Almocei no João, nosso caseiro, e à noite, fui na Pousada Santa Rosa jantar “arroz de puta chique” (mistura de arroz egípcio com o humor da Ariadne, filha da Margô). Antes, passei no mercado e levei uma garrafinha de cachaça artesanal para o Rogério, irmão da Mirela. Quase 14 anos de amizade e só agora descobri que ele foi piloto de avião. A Janaína, sua mulher, tá grávida, e escapou de uma jararacuçu que subiu de um brejo no fundo do quintal (“supermercado de cobra”, como ela chama, pela abundância de ratos, sapos e pererecas).

21.01.09. Uma das coisas mais curiosas que vou percebendo no livro é a improvável relação entre fatos e pessoas do passado com fatos e pessoas do presente, como minha ex-namorada Enny Katery ter namorado o marido da Cristiane da Hidroclin (e isto é apenas um exemplo dos mais simples). Notei ainda mudanças de linguagem ao longo do livro (por causa dos anos de diferença entre as interrupções e retomadas), e dei ainda uma boa revisada no conteúdo, eliminando fatos irrevelantes (minha psicanalista Cláudia já tinha falado que isto aconteceria). Cheguei até a pág. 24, mas preciso escrever sobre um pouco mais sobre os anos de 1995 e 1996, incluindo o meu amigo Mau, lógico. Não rendi muito, mas em compensação ouvi uma frase enigmática da Mirela ontem, que me disse: “Quando você terminar alguma coisa, nunca mais admitirá deixar nada pela metade”. Hoje o João, nosso caseiro, me pediu para “cortar” um pouco a quantidade de ração que eu estava dando para os bichos, e os gatos pareceram protestar. À tarde, liguei para a Mirela falando que estava levando o pão para tomarmos um café. Comprei vela artesanal da loja da Margô para dar de presente para minha mãe e perguntei ao seu namorado gaúcho como estava da diarreia, ao que ele me respondeu que “tá tuuudo bem, tchê… só que ainda não cicatrizou muito bem… (KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!!!!!!!!). Aqui na chácara é muito bom, mas eu estou com um pequeno ferimento na perna, por dentro da prótese. Não quero descer para Cuiabá, mesmo com minha perna me implorando. Bem… implorando ela estava ontem; hoje amanheceu parecendo que queria se vingar porque não atendi. Mão doendo de tanto digitar. Dormi tarde ontem; vou pra cama mais cedo hoje. São 23h00m.

22.01.09. Escrevi um pouco sobre a fase de Alta Floresta, show da banda etc. Tirei várias fotos com meu celular. O João gostou de ir até a cidade dirigindo meu Corolla. Fiquei pensando em como seria reduzir as responsabilidades em Cuiabá para passar um ou dois dias no máximo por lá e o resto do tempo ficar aqui. Desci o rio que banha a nossa chácara e fui até a cachoeirinha, com um bastão escoteiro para me ajudar no equilíbrio. Aliás, teria caído, se não fosse ele. Obrigado, Deus, porque nunca fui de usar bastão para descer o rio, e no dia que senti de usar o Senhor me livrou de um tombo.

27.01.09. Fui pra Cuiabá anteontem e, após uma segunda e terça-feira não muito produtivas, exceto por uma cutucada na parte ré do “Sr. Durval”, voltei para a Chapada já de noite e jantei um cachorro quente e Coca-Cola, dentro do carro mesmo. Na Mirela, encontrei o Ramon, empolgado com sua editora na capa do G1 e da Folha, por causa de um livro sobre o Che Guevara. O Luciano, marido da Mirela, me emprestou o filme Apocalipse Now (esplêndido, chocante, humano).

28.01.09. Acordo às 08h30m e vejo que o João deixou café pronto na mesa. Escrevi sobre os concursos, a prova da OAB, meu Vade Mecum, a N.E.X.T., a Comissão de Estagiários, o livro Contos de Advogados Matogrossenses, a viagem aos EUA e sobre Cristianismo. Me atraquei numa jaca que a Érica, esposa do João, mandou para mim, e comi tanto que deixei o almoço para o jantar. Assisti Apocalipse Now de novo, fazendo carinho nas gatas da chácara (Lily, Rosinha e Santinha) até cansar. Acho que estou ficando louco com essa vontade de ficar por aqui… Como disse a Mirela, “Chapada vicia”. Estudei um pouco do livro de Atos dos Apóstolos e nem fui à cidade hoje. Dormi cedo, pelado, o bucho cheio de jaca, feliz da vida.

29.01.09. Acordei 5h00m da manhã para pôr um aflito e ruidoso gato para fora, pela janela mesmo. Nem vi direito qual deles era. Escrevi sobre a criação da N.E.X.T. Business & Networking. Ainda tentei dar um susto na Lily (que acordou 1 segundo antes de eu bater uma tampa de panela no vidro da cozinha, onde ela dormia capotada de sono). Fui até o rio, dei um mergulho. Precisava ir à cidade, mas fiquei enrolando. O João trouxe a outra metade daquela jaca. Depois de um demorado cochilo após o almoço (ê, vidão!), escrevi sobre o Mau, a Tati e a amputação, esta sob o ponto de vista de meu pai (chorei em bicas). Também escrevi alguns parágrafos sobre o começo do fim, naquela Dourados de 1994, até que cansei os dedos e fui dormir.

30.01.09. Fiquei com insônia e assisti a outro filme “locado” do Luciano: O Sétimo Selo, de 1956. É um clássico, sobre um cavaleiro medieval dividido entre o ateísmo e a fé, que encontra a Morte e a desafia para uma partida de xadrez, ganhando assim um pouco mais de tempo para buscar respostas à sua questão existencial (qualquer semelhança é mera coincidência…). Acordei meio cedo e fui sentar lá na beira do rio, pensando na vida. Das 08h30m da manhã ao meio-dia, só fiz escrever… Os capítulos inéditos estão quase se costurando. Dizem que luxo mesmo é ter tempo. Acabei de almoçar e preciso decidir se tiro um cochilo embaixo de uma árvore ou caio na água cristalina do rio aqui no meu quintal. Faço carinho nos gatos, pego uma bolacha em seguida… higiene anda a zero por aqui: ainda estou usando apenas dois garfos (um só pra jaca).

11.02.09. Em Cuiabá não rendo, por causa do barulho, agitação, da facilidade de me acessarem por celular, e-mail etc. Como aqui não tem nada disso, só escrevo. Hoje falei sobre assalto com o Renault, época do Anglo, IBNG, festas à fantasia do Shipú e minhas reprovações em metodologia científica (UNIC).

12.02.09. Acordei antes do celular, às 05h04m. Escrevi mais sobre minha adolescência. Choveu no almoço, dormi até às 17:00 horas. Sinto vontade de escrever mais coisas, e ao mesmo tempo penso que o livro não pode ficar muito grande. Aliás, para quê este diário? Sinto como se estivesse retesando, para ser arremessado loooooonge.

31.05.09. Faz tempo que não escrevo, e aconteceram coisas interessantes no período. Fiz minha inscrição no maior seminário de empreendedorismo do mundo, o EMPRETEC. É meio parecido com O Aprendiz, do SBT. Tem até avaliação psicológica antes de ter sua inscrição aprovada, porque nem todos podem fazer o EMPRETEC, mesmo querendo… mexe muito com o emocional da pessoa, seus autoconceitos e capacidade de superação. A minha entrevista estava meio morna, com a psicóloga vacilante entre me aprovar ou não. Aí senti um impulso de “chutar o pau da barraca” e contei do acidente e do que passei para sobreviver a ele, que me sinto capaz de fazer coisas à altura do desafio Empretec, que não a decepcionaria… e consegui minha vaga no último minuto de entrevista. Ufa! Encerrado o curso, já na semana seguinte combinei com o Porto Seco de me afastar por 2 meses e 15 dias para um curso de despachante aduaneiro em Curitiba/PR. Juntei minhas coisas e fui embora para uma cidade estranha, sem parentes, sem amigos e sem muita certeza de que conseguirias me manter ali. Por enquanto, nada de editoras interessadas em meu Vade Mecum.

02.04.09. Na última vez que fui a Brasília prestar um concurso, terminei um recurso processual que vi esboçado no notebook do meu tio Ronaldo. Depois que ele viu a peça pronta e gostou do meu nível técnico, me chamou para abrirmos um escritório. Com certeza absoluta, estudar para concurso te deixa um advogado muito melhor, pelo contato com inúmeras outras leis (e macetes!), geralmente desconhecidos da maioria dos advogados. Mas não, tio, obrigado. Foi só pra brincar um pouco, e você deve ter gostado da parte que ousei chamar de “aprisco eleitoral” na defesa que você estava redigindo, e muito bem.

07.04.09. Aproveitei para dar uma geral no Corolla. Aliás, vontade de me reinventar inteiro, a começar pelo desejo de fazer o melhor curso de despachante aduaneiro do País, em Curitiba. Sinto como se tivesse chegado a minha hora, um momento em que você sente que sua vida vai mudar… isso “tem o dedo” da Cláudia, com certeza. … plantei, agora vêm os frutos. Por estes dias, tenho prestado expediente no Porto Seco, para aprender com o Eduardo um pouco mais de como a coisa funciona, antes de chegar o dia de mudar-me para 1.300 quilômetros daqui.

01.05.09. Fui para São Paulo, consultar um médico especialista em dor. R$ 600,00 de consulta mais R$ 896,00 de remédios. E olha que os remédios davam R$ 1.600,00 reais, mas eu não achei sensato comprar o estoque todo sem experimentar primeiro. A atendente da farmácia foi colocando no balcão, perguntou se eu queria mais alguma coisa e qual seria a forma de pagamento. “Débito”, falei. Quando ela me disse o valor, quase caí de costas. Em São Paulo, fiquei num hotel na Av. 9 de Julho, onde conheci o Carneiro (ex-Diretor de Presídio, que revolucionou o sistema ao colocar os reeducandos para fazer macas, cadeiras de rodas, bengalas e andadores, reciclando bicicletas velhas), bem como seu filho Filipe. Também conheci duas russas: a Dasha (UAU!) e a Olya (hum… talvez). Fui falar de importação de aeronaves no Campo de Marte, fiz muitos contatos interessantes. Estava com 40 cartões, saí com 4. Voltei para Cuiabá e já entrei num curso de alto nível na área de Licitações, ministrado pela PH&T. Durante a semana, Porto Seco o dia todo e o curso à noite.

23.09.12. Pelo Facebook, dei um “tchauzão geral”, avisando que ia subir pra terminar o Quando a Vida Faz uma Curva. Peguei da página 124 e fui até o final (página 200), reescrevendo, acrescentando, eliminando… À noite fui no Ramon conversar sobre o livro, e na Mirela para tomar um suco e conversarmos um pouco. Vim embora 22h00m.

24.10.12. Fiquei pensando e tendo ideias, de forma que perdi o sono. Acordei com o caseiro vindo me trazer os bifes que eu tinha encomendado. Passei o dia escrevendo este último ano e agora à noite empolguei tanto acertando os anexos do livro que estou com dó de parar para ir preparar minha própria janta.

 

 

 

 

 

Aventura Sênior – Trilha até o Morro de São Jerônimo.

Subimos no dia 18 de dezembro de 2009 para Chapada dos Guimarães/MT, com o objetivo de conquistarmos o topo do Morro de São Jerônimo (ponto mais alto do Mato Grosso, a 1.870 metros acima do nível do mar). Estávamos eu, os Chefes Escoteiros André e Roosevelt (pai), além dos escoteiros Roosevelt (filho), Ricardo, Hallan e a escoteira Renata (11 anos), com dois amigos “patas tenras” (novatos que acampam pela primeira vez) Renato e Felipe, amigos do Roosevelt Filho.

Deixamos os carros na entrada, à beira da rodovia Emanuel Pinheiro, e pegamos a trilha já mais de 21:30 horas. Lá pelas 22:30 horas, fizemos uma parada para uma sopa rápida, sentados no chão, no meio da estrada de terra que demarca o Parque Nacional de um lado e o restante da região do outro. Chegamos à primeira base, na entrada da Casa de Pedra, onde fomos dormir às 1:45 da manhã (fotos 01 e 02).

Acordamos antes do sol nascer e andamos 5:30 horas até chegamos na segunda base de acampamento, onde passamos o restante do dia descansando (não é para menos… o André levava até panela de pressão na mochila). De longe, à nossa frente, admiramos o Morro, magnífico (foto 03), e à noite vimos Cuiabá ao longe, pequenininha (foto 04). Acordamos às 05:00 da manhã, tomamos café, providenciamos água e iniciamos a caminhada assim que clareou.

Andamos cerca de 1 km no caminho coberto de areia (areia?) e entramos num atalho à esquerda, apenas o tempo suficiente para tirarmos foto junto a um arco de pedra próximo (fotos 05 e 06). Voltamos à trilha e entramos na mata fechada (foto 07), abrindo caminho à facão. De tão densa que é a vegetação, não há correntes de vento lá dentro, e o clima é quente e úmido. No meio do caminho, ainda subimos um platô para apreciar a vista (fotos 08 a 10). Ao pé do Morro, a primeira subida já assusta, de tão íngreme, com pedras soltas… o risco aumenta, e a adrenalina também (fotos 11 e 12). Vencida essa etapa, a seguinte começava com um paredão de pedra não muito alto, mas um erro poderia ser até fatal, caso escorregasse: queda de uns 4 a 5 metros (fotos 13 a 15, embora nelas não pareça tão alto).

Achei que tivesse chegado ao limite. Parte do grupo continua e fico junto com o Chefe Roosevelt (ambos exaustos), no alto da trilha de pedras e beirando um precipício (foto 19).

Penso melhor e me atrevo a escalar o paredão (foto 16). Entreguei o bastão escoteiro para o Ch. Roosevelt e tirei o tênis esquerdo, deixando a prótese apenas com a lâmina para assim poder encaixá-la em pontos de apoio menores, onde não caberia um pé de verdade. Depois de vencer o paredão, dou a volta na plataforma e encontro a terceira barreira, e a mais difícil: uma rocha vertical em forma de taça, chamada “Chaminé”, com poucos pontos de apoio (foto 17). O grupo volta para me ajudar (foto 18), mas era impossível e liberei a turma para prosseguir, ficando sozinho, entre a base anterior (onde está o Chefe Roosevelt) e o topo do Morro, uns 200 metros à frente.

Passados alguns minutos estudando o terreno em volta da pedra, achei uma fenda, onde dava para tentar a técnica de escalada que usa paredes opostas (sobe-se firmando as pernas na parede da frente e comprimindo as costas na parede atrás). Resolvo tentar e consigo vencer o primeiro platô da “Chaminé”. Dividi a escalada em dois trechos, e usando a mesma técnica consegui escalar a segunda metade (mesmo caminho pelo qual voltei, como nas fotos 20 a 22).

Estou pisando no alto da “Chaminé”! Sinto tanta adrenalina nas veias que tremo, e meu coração palpita forte. Nem posso continuar a caminhada respirando assim, acelerado, senão a resistência acaba e o corpo reclamaria desistência, descanso. De ânimo renovado, sigo rápido atrás do grupo e, ao avistá-lo de longe, grito: “Quem é o escoteiro, senão aquele que anda só?”. O grupo dá vivas e vem ao meu encontro. Sinto-me como se tivesse acabado de fazer o gol da vitória na Copa, aos 45 do segundo tempo e contra a Argentina.

Às 10:50 conseguimos chegar ao Morro… vista fantástica, que compensa a trilha íngreme e até o risco de vida em pelo menos 3 pontos críticos… Cada um está exultante de satisfação, dizendo seus impropérios, desabafos e gritos aos quatro ventos. Uns se sentem “vingados” de fatos passados, outros agradecem o objetivo alcançado, e há quem nem consegue expressar palavras (foto 23).

Bebemos água diretamente da mina que existe lá em cima (!), e também achamos alguns “tesouros”, como fósseis de conchas e corais. Vemos a barraca do acampamento lá ao longe, pequenina, e a trilha de areia distante, como um fiapo no meio do mato. Sentimos o fato do Ch. Roosevelt não estar ali conhecendo essa vista conosco, mas ao mesmo tempo estamos perplexos com a bravura da Renata – até hoje, a única menina que se sabe tenha subido o Morro.

Voltamos mais rápido porque uma chuva se aproxima (foto 24) e a trilha de pedras, do tipo arenito, fica perigosa (escorregadia e quebradiça). Almoçamos bolacha, suco, ovo cozido, laranja e uma mistura de aveia, creme de leite e chocolate, o que nos dá energia de sobra para desmontar o acampamento e voltar. Passamos novamente pela Casa de Pedra (foto 25) e chegamos ao ponto de partida, à beira da estrada, por volta das 16:30 (foto 26).

Chego em casa já de noite, e meu braço está inchado até o dorso da mão. Também estou bastante queimado (muito calor, mesmo com o tempo nublado) e com uma bolha enorme no pé. Joguei meu velho tênis fora, de tanto que o esfolei nas pedras. São 23:40 e vou dormir, pensando no melhor que podemos extrair da trilha – a mais difícil que já enfrentei: nos tornar orgulhosos de nós mesmos.

De um senhor de 63 anos à sua filha de 11, todos estamos mais fortes. E quando bater a saudade, teremos nas dezenas de fotos e vídeos que fizemos um alento para nossos corações guerreiros, pelo resto de tempo que vivermos… (foto 27).

Cuiabá/MT, 21 de dezembro de 2009, 20:26 p.m.

 

 

O livro

“Quando a Vida Faz Uma Curva” é a autobiografia de Jackson. A transposição das adversidades não foi fácil, mas, ainda assim, os sentimentos de realização e felicidade são visíveis em sua narrativa. Adora usar a frase “Aquele que caminha só”, que remete ao escotismo em sua infância. Para mim Jackson nunca esteve só, já que em seus relatos podemos observar que sempre teve por perto a família, os amigos e Deus.
A solidão, quando descrita, é coadjuvante, uma espécie de balizadora dos pensamentos, levando o autor à autoanálise e ao autoconhecimento.

Transpor todas as barreiras e as sequelas de um acidente de moto, ocorrido na estrada entre Cuiabá e Chapada dos Guimarães, foi a mola propulsora para este jovem alcançar o sucesso. Jackson é, realmente, um sobrevivente… tem muito a nos ensinar, e com muito bom humor.

Ramon Carlini

Depoimentos

“Jackson, a coisa mais importante de que me lembro no seu caso, quando o conheci naquele quartinho do Hospital das Clínicas, foi constatar a gravidade da sua lesão do plexo braquial. Embora a sua preocupação mais evidente fosse a perda da perna, para mim era claro que o grande problema acabaria sendo o comprometimento da função do membro superior. Hoje posso ver uma pessoa que reputo como um vencedor. Você, definitivamente, está sendo capaz de fazer a limonada.” — Dr. Marco Guedes

“Uma história fascinante de superação e vitória, que desperta no leitor todas as emoções. Eu me emocionei com sua família, senti raiva, senti carinho, chorei e dei muita risada. O autor é um vencedor! Um verdadeiro milagre!” — Amanda, amiga

“Eu chorei, ri, me assustei, fiquei preocupada e surpresa… foi uma mistura de emoções. Parabéns por sua integridade e honestidade. Vai escandalizar os fracos, que nunca viveram de verdade.” — Jenifer, prima

“Eu não só fiquei emocionada com o conteúdo, como realmente acho que o autor teve sucesso em escrever algo que não dá vontade de parar de ler. Essa é a característica que, acho eu, todo escritor procura… eu realmente não queria que o livro acabasse.” — Lívia, prima

“Ei, isso é um vício. Comecei e não quero parar.” — Karlla, amiga

“O autor provou que não é a situação que determina as emoções e os comportamentos, e que não precisamos ser prisioneiros do passado. Ele é um exemplo de obstinação, resiliência e otimismo, conseguindo reassumir o comando de sua vida com grande maestria. A você, querido Jack, todos os meus aplausos.” — Camila, psicóloga

CAPA Quando a vida faz uma Curva